O novo ano de atividades mais amplas está sendo retomado no pós-Carnaval. Retomar a rotina pode ser um momento importante para voltar ou iniciar uma psicoterapia, lidando com aquilo que nos faz sofrer: os desafios inevitáveis da disciplina, os conflitos familiares ou os desafios no ambiente de trabalho.
O amor de transferência e a suposição de um saber no analista, por parte do analisando, como dizia Lacan com base em Freud, são condições para um encontro de desejos que facilita transformações e processos de cura.
Embora nosso trabalho como psicanalistas não seja de psicoeducação ou aconselhamento — pois, como dizia Lacan, dirigimos a análise, não a vida das pessoas —, também não nos limitamos a um mito de “cara de paisagem”. O mestre também autorizava cada um a encontrar seu modo singular de trabalhar.
Particularmente, o referencial teórico está introjetado, e a boa transferência me coloca na cadeia associativa do inconsciente do analisando, permitindo interpretações sem pressa, a partir da pontuação de significantes que se repetem na narrativa.
Quem se analisa passa a ter uma nova relação com a linguagem, reduzindo o gozo-sofrimento. Interessante é perceber como mudanças rápidas podem ocorrer a partir de nossas intervenções. Por exemplo, um paciente recentemente se via rotulado como impulsivo, até mesmo em situações em que estava apenas sendo sujeito do desejo. Um caso ilustrativo foi a decisão de realizar um procedimento cirúrgico imediato que lhe traria mais autoestima, de forma econômica. Participar afetivamente dessa decisão foi um ato de maturidade e uma afirmação de sua potência de vontade.
Dentre os conceitos fundamentais, a repetição é algo que observamos com frequência nas narrativas de nossos analisandos. Apontar e possibilitar a abertura para que algo diferente se inscreva no que se repete — seja em escolhas ou em conflitos — permite uma apropriação de sua trajetória de vida, na perspectiva de realizar desejos contidos, muitas vezes reprimidos por um imaginário de agradar o Outro ou por um masoquismo que, em diferentes níveis, todos carregamos.
Assim como a realidade social repete embates, convocando nossos sintomas e testando nossos sonhos, temos sempre ressignificações a fazer. Nosso Carnaval se confundiu com a premiação do Oscar, e o “Ainda Estou Aqui” oportuniza reflexões sobre liberdade, resiliência materna e o sorriso. O Carnaval é cultura, libido e alegria.
Fica o recado para o prefeito Melo, que deixou Porto Alegre de fora desse investimento. Um paradoxo: ele contrapõe a preservação do patrimônio histórico ao Carnaval, mas esquece que a Cidade Baixa foi alagada em maio por sua imprevidência. Faltou segurança por parte da gestão pública, que, em vez disso, respondeu com repressão e spray de pimenta.
Por fim, fica o convite: retomar a rotina é sempre um teste para avaliar até que ponto conseguimos sustentá-la, discernindo o que é emocionalmente incapacitante para o bem-estar, o trabalho e os afetos — ou se a angústia que emerge é, na verdade, um chamado do desejo, demandando realização. Para isso, investir na análise pessoal é de grande valia, trazendo à tona a fantasia que clama por simbolização.