A psicanálise não separa a falta do desejo e, com essa visão, trabalha o psicopatológico e sua intervenção clínica. Vamos expandir esses conceitos para refletir sobre questões grupais e sociais.
Na perspectiva psicanalítica, temos um arcabouço conceitual que se articula em rede — por isso, muitas vezes, é difícil trazer esse referencial ao discurso jornalístico, sob o risco de cairmos na superficialidade ou na prolixidade (um desafio que, justamente, pode provocar o desejo de pesquisa em quem se interessa por compreensões mais aprofundadas).
Um conceito que precisa ser resgatado para os propósitos deste ensaio é o de “objeto a”. Lacan o definiu como a causa do desejo. Para o que aqui propomos, esse referencial aponta para uma posição que foi perdida quando passamos pela castração e deixamos de ocupar o lugar da criança que Freud nomeou como “Sua Majestade, o Bebê”.
Na elaboração edípica, somos castrados — pois passamos a dividir a mãe com o pai, os irmãos e, em seguida, com os outros. Com isso, experimentamos uma falta que nos torna desejantes daquilo que foi perdido, o que aparece simbolicamente na busca por um amor absoluto, como o que se idealiza no apaixonamento.
Não há escapatória: precisamos aprender a viver com a falta do “objeto a”. Tornamo-nos fálicos quando conseguimos lidar com a castração e fazer algo com ela — é assim que nos tornamos sujeitos desejantes. Os neuróticos, nesse sentido, tocam suas vidas a partir dessa estrutura. Na psicose, temos a falta da falta, pois o Outro se impõe como completo, sem cortes. Já na perversão, há uma negação da falta e a promessa de tudo oferecer ao outro, em um movimento de dominação.
Quando somos fálicos — ainda que neuróticos — seguimos lidando com as faltas ao longo da vida, pois o mundo nem sempre nos reconhecerá como belos, desejáveis ou competentes. Na vida competitiva, enfrentamos derrotas e frustrações.
Aproveito essa lógica para pensar as escolhas que envolvem faltas em uma sociedade dividida em classes. Quando a desarmonia da natureza nos impõe uma catástrofe político-ambiental; quando a segurança geral nos falta; quando a fome atinge a maioria — o que, afinal, está faltando?
A lógica do capitalismo neoliberal é individualizante e descompromissada com a promessa de retorno social que nem mesmo o liberalismo clássico conseguiu cumprir. Os ricos, que desejam manter seus lucros sem taxação — como a do IOF — também, paradoxalmente, sofrem com a falta de segurança. E, em um movimento ainda mais contraditório, vemos a ausência imposta pelo "mito do Mito", defensor de Bolsonaro: a taxação de 50% às nossas exportações, que gera desequilíbrio nas balanças comerciais dos dois países envolvidos.
O governo Lula, mais uma vez, nos retira da fome e reacende o desejo por soberania — alcançando, por exemplo, o recuo em taxações de quase 700 produtos. Já aqueles que ignoram essas faltas se entregam a um gozo perverso, dominados por uma ganância cega — um sadomasoquismo que, paradoxalmente, atira nos próprios pés.
Wilhelm Reich, psicanalista, nomeou essas condutas subjetivas como a “peste emocional da humanidade”. O desejo saudável exige equilíbrio entre empatia, lei e civilidade. Essa talvez seja a grande falta da contemporaneidade — e pode ser, ainda que utopicamente, o motor de um desejo por um mundo melhor.
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