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Voto de Cármen Lúcia consolida maioria no STF pela condenação de Bolsonaro por tentativa de golpe

A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quinta-feira pela condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros sete investigados pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, organização criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Com o posicionamento da ministra, a Primeira Turma alcançou maioria pela condenação, em placar de 3 a 1 — marco inédito na história republicana por envolver um ex-chefe do Executivo.

Segundo Cármen Lúcia, o material reunido pela Procuradoria-Geral da República (PGR) demonstra de forma robusta que um núcleo capitaneado por Bolsonaro articulou e implementou um plano escalonado contra as instituições, com o propósito de deslegitimar o resultado das urnas em 2022 e constranger o funcionamento regular dos Poderes. Para a ministra, a investigação comprova a materialidade dos delitos e a existência de violência e grave ameaça dirigidas à ordem constitucional.

Antes de ingressar no mérito, a decana da Turma afastou preliminares aventadas pelas defesas — entre elas, alegações de cerceamento, a tese de incompetência do STF e o pedido de nulidade do acordo de colaboração do tenente-coronel Mauro Cid. Em relação a Cid, sustentou que o acordo foi celebrado e confirmado de forma voluntária. No debate sobre a instância adequada para processar réus sem prerrogativa de foro, a ministra reiterou entendimento que professa desde o caso do mensalão (2007): mudanças regimentais posteriores não podem servir de pretexto para reabrir competências já exercidas de modo reiterado pela Corte.

Em tom severo, Cármen Lúcia qualificou o julgamento como um momento de inflexão institucional, no qual o Judiciário é chamado a reafirmar os limites do Estado de Direito e a igualdade na aplicação das regras.

A divergência de Luiz Fux

Na véspera, o ministro Luiz Fux inaugurara divergência ao defender a absolvição de Bolsonaro, num voto de 11 horas e meia. Para ele, responsabilizar o ex-presidente pelos acontecimentos equivaleria a abrir um precedente perigoso de criminalização de discursos políticos e de atos praticados durante o exercício do cargo. Fux também afastou vínculo suficiente entre Bolsonaro e a chamada minuta “Punhal Verde e Amarelo”, sustentando que a prova não elimina dúvida razoável sobre eventual ciência ou anuência do então presidente.

O ministro ainda propôs a unificação dos tipos penais de tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, o que, se acolhido, poderia mitigar o somatório de penas. Defendeu, adicionalmente, o reconhecimento da incompetência do STF para julgar parte dos réus. Apesar de absolver Bolsonaro, Fux manifestou-se pela condenação do general Walter Braga Netto e de Mauro Cid por tentativa de abolição violenta, ao passo que absolveu Almir Garnier, Alexandre Ramagem, Paulo Sérgio Nogueira, Augusto Heleno e Anderson Torres.

O que disseram as defesas

A defesa de Bolsonaro asseverou que inexiste prova direta que o vincule à organização dos atos antidemocráticos ou à minuta golpista, e contestou a credibilidade da colaboração premiada de Mauro Cid. Sostém, ainda, que críticas às urnas e ao sistema eleitoral, por si sós, não configuram tentativa de supressão do Estado Democrático de Direito.

Relator e acompanhamento: Moraes e Dino

O relator Alexandre de Moraes e o ministro Flávio Dino votaram pela condenação de todos os oito réus. Moraes descreveu Bolsonaro como líder de uma estrutura criminosa que, por meio da divisão de tarefas, procurou sustentar uma narrativa de descrédito às instituições e, em paralelo, articular medidas concretas para subverter o resultado eleitoral — lembrando que a própria tentativa consumaria os crimes em exame.

Flávio Dino acompanhou o relator, mas ressaltou participação de menor relevo de Alexandre Ramagem, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira, sinalizando que, na fase de dosimetria, poderá defender penas mais brandas para esse trio. O ministro também frisou que crimes contra a ordem democrática são insuscetíveis de anistia e rechaçou a crítica de viés político no julgamento, observando que o STF tem historicamente submetido lideranças de distintos espectros a controle jurisdicional.

O que está em disputa

Para a PGR, houve a construção de um complô voltado a inverter o resultado das eleições presidenciais de 2022, em confronto aberto com a Constituição. A ofensiva, segundo a acusação, não avançou por resistência de comandos militares que se recusaram a franquear tropas a tal finalidade. O processo carrega, assim, relevância histórica adicional por poder inaugurar responsabilizações penais de altas patentes por atentados à democracia.

Quem são os réus

Além de Jair Bolsonaro, respondem no caso:

  • Walter Braga Netto (ex-ministro da Defesa e da Casa Civil),

  • Augusto Heleno (ex-chefe do GSI),

  • Anderson Torres (ex-ministro da Justiça),

  • Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa),

  • Almir Garnier (ex-comandante da Marinha),

  • Alexandre Ramagem (deputado federal e ex-diretor da Abin),

  • Mauro Cid (tenente-coronel, ex-ajudante de ordens, colaborador).

Repercussões políticas

Em paralelo ao julgamento, atores do campo conservador intensificaram discussões sobre 2026. Com Bolsonaro inelegível por decisão do TSE e sob risco de pena criminal, cresce a pressão para que o governador Tarcísio de Freitas (SP) assuma a cabeça de chapa — hipótese que ele, por ora, rechaça ao reafirmar a intenção de disputar a reeleição. Outros governadores, como Ronaldo Caiado (GO), Romeu Zema (MG) e Ratinho Júnior (PR), movimentam-se para ocupar o espaço no tabuleiro. A avaliação de líderes do Centrão é que, concluído o julgamento, Bolsonaro será compelido a arbitrar um nome, de modo a evitar a dispersão do eleitorado à direita.

Foto: Reprodução TV Justiça

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Wagner Andrade
Wagner Andradehttps://realnews.com.br/
Eu falo o que não querem ouvir. Política, futebol e intensidade. Se é pra sentir, segue. Se é pra fugir, cala.
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