Um almoço chinês com TV brasileira

Numa das idas mensais ao restaurante chinês do meu bairro, ao abrir o invólucro do biscoito da sorte que sempre acompanha o meu yakissoba classe média, me deparei com a seguinte frase digitada no papel que recheia o biscoito: “Puxe o arco, mas não solte a flecha”.
Fiquei imaginando, enquanto (ou)via o noticiário na TV e saboreava o prato de R$ 19,90, um arco sendo estendido e apontado, como um ato de proteção, contra a barbárie. As comunidades indígenas massacradas pelo latifúndio e garimpo. As ditas minorias (que não têm nada de minoria) cerceadas em seu jeito de ser humano por preconceitos e ameaças fatais. As mulheres discriminadas e mortas por covardes. Os negros violentados pela ignorância do racismo. A maioria empobrecida explorada por uma minoria. Todos estamos constantemente armados com arcos de autodefesa.
Li em algum lugar que somos campeões mundiais de ansiedade, e isso diz muito sobre o outrora povo miscigenado, pacífico e feliz dos manuais turísticos. Só que não. Nem o samba e nem o futebol conseguem mais esconder nossa realidade, nem a big brother TV.
Sendo assim, como não ser muito ansioso num ambiente cheio de contradições? Num momento comemoramos a queda de um fascista e noutro nos damos conta que foi eleito um Congresso conservador com pequenos políticos e grandes orçamentos secretos. Pessoas comem em restaurantes fartos e de variados preços e moradores de rua se alimentam em latas de lixo. A injustiça e a desigualdade causam os mais variados males. Quando não matam, engasgam.
Está na hora de olhar no espelho e refletir sobre o que podemos fazer e deixar de fazer para nos tornar uma sociedade mais igualitária e comprometida com o seu povo e meio ambiente. Agir em defesa e não contra os outros.
A raiz dessas distorções sociais está no capitalismo moldado nos tempos coloniais e presente até hoje como estratégia de dominação.
Educação com consciência crítica ajuda a aceitar as diferenças e ficar atento aos perigos reais que advêm de interesses egoístas e manipuladores, penso eu, enquanto dou as últimas garfadas na deliciosa comida brasileira de origem chinesa. Pela janela do restaurante, observo seres humanos caminhando em diferentes direções.
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Ricardo Azambuja
Ricardo Azambujahttps://realnews.com.br/author/rica/
Jornalista e bancário, formado em Economia na UFSC, com pós-graduação em Ecologia e Cinema. Trabalhou como repórter, redator e subeditor de Variedades no jornal Diário Catarinense e escreveu matérias sobre politica para o blog O Cafezinho

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