Tempos modernos

Além da bela música de Lulu Santos, fiquei com meu cacoete lacaniano, apaixonado pela polissemia dos significantes. Pensei no tempo como fenômeno climático, na justiça, na comunicação contemporânea e no campo da escuta clínica.

Enquanto clima, o tempo não é o mesmo: as estações se confundem, os temporais desequilibram, desabrigam, matam e proliferam doenças como a dengue e a miséria nos tempos neoliberais.

No campo da Justiça, levamos 6 anos para saber os mandantes da morte de Marielle Franco, graças ao ritmo da impunidade que nos regeu, demandando ainda mais esclarecimentos.

E quando um ministro como Alexandre de Moraes, que garantiu a legalidade das eleições, peita o “MUSKito” da febre fake news que acoberta golpistas, tentam desqualificá-lo da função. O mais hipócrita é ver que a direita e seus burgueses associados reivindicam “direito democrático, liberdade de expressão”, para seguirem mentindo, chancelando o golpe que visava acabar com a democracia. Eis o “X” da questão!

A celeridade no julgamento e condenação de Lula ilustrou o tempo lógico da justiça que, como todas as instituições da sociedade de classes, tende a defender os interesses das superiores.

No campo das relações afetivas e sociais, a rapidez é assustadora: não se ouve áudio de mais de um minuto. Quando nos acusam, na rede ou em grupos, a defesa tem que ser em um texto exíguo ou é considerado chato. A rapidez faz sucesso, impedindo conversas mais profundas entre “o Tico e o Teco”, consagrando o Tiki e Tok.

Falando em TikTok, estou ousando falar em torno de um minuto sobre saúde mental e psicanálise neste aplicativo. Tenho o apelo à adesão digital do meu filho peludo, o Chiquinho (@gaiofontella829).

Na clínica psicanalítica, trabalhamos com um outro tempo, lógico, não cronológico. Existe um mito de que o analista lacaniano fica só na “cara de paisagem”. Não é bem assim: quando a transferência é garantida, interpretamos e “nada impede o analista de ser psicoterapeuta, quando convocado”, dizia Lacan.

Porém, não somos da terapia do ego, que ataca sintomas com interpretações precipitadas e “selvagens”. Quem manda é a transferência. E esta tem o tempo de cada sujeito, mediada por uma linda intersubjetividade, amor mútuo de transferência, que vai permitir o processo em direção à cura e sua facilitação.

Bom lembrar que Cronos, Deus da mitologia Grega do tempo, devorava seus filhos para não roubarem seu trono. Zeus escapou, defendido pela mãe Réia, o que é uma boa metáfora de maternagem que acolhe os tempos de cada sujeito para aprender, crescer, amar e se socializar. Num processo analítico, escuta sem pressa de interpretação, no tempo singular de elaboração, podemos lidar melhor com a patologia da pressa dos tempos modernos, sem sermos devorados.

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Gaio Fontella
Gaio Fontellahttps://realnews.com.br/category/opiniao/blog-do-gaio/
Gaio Fontella (Psicólogo, psicanalista, graduado e pós-graduado pela UFRGS, comentarista e produtor do “Café com Análise”, no Youtube.

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