Afirmativamente, o mês de setembro está consagrado à visibilidade da discussão sobre o suicídio. A campanha foi iniciativa da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) em parceria com o CFM (Conselho Federal de Medicina).
Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), mais de 700 mil pessoas se suicidaram em 2019 no mundo, chegando a um milhão se considerarmos subnotificações. No Brasil, temos mais de 14 mil casos por ano.
Quase na totalidade, os casos estão associados às doenças mentais não diagnosticadas ou a tratamentos inadequados. O suicídio é a quarta causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. No filme “Yonlu”, dirigido com estilo sensível, arguto e poético por Hique Montanari e protagonizado pelo brilhante ator Thales Cabral, temos uma tragédia adolescente.
Yonlu, com 16 anos, era um brilhante compositor criativo que chegou a ter música gravada pelo Talking Heads. Ele foi estimulado a tirar a própria vida por um grupo na internet. A influência grupal, que é clássica nessa idade, teve um peso. A fala do analista no drama nos traz um alerta: “Quando alguém está perto de se jogar num precipício, tem quem empurre e precisa de alguém que puxe”. Puxar é emprestar pulsão de vida, apostando que o ato irreversível não aconteça.
Por um bom tempo, a imprensa não se propunha a falar do assunto, com a preocupação de que fosse estimulante à prática suicida. Porém, a psicanálise aposta na palavra, um agente facilitador da cura. Sim, pois o que é simbolizado tem chance de não passar ao ato.
A ideação suicida é um dos possíveis sintomas de uma depressão maior, que pode acometer qualquer estrutura psicológica. Freud abordou a divisão pulsional humana, direcionada à vida e também à morte. E esta, em diferentes níveis, está em todos nós, potencializada pelas questões singulares de cada sujeito, não apenas por um único trauma (teoria que o mestre da psicanálise abandonou).
Lacan aponta o suicídio como o ato mais bem sucedido. Faz diferença entre o “acting out”, que é uma chamada ao Outro (no caso em questão, pode ser o pedido de socorro). No entanto, a “passagem ao ato”, falência simbólica, é de outra ordem: tem um nível de sofrimento no qual algo se perdeu e o sujeito se perde com ele (uma colagem ao Objeto a causa do desejo, que, enquanto perdido, levaria à melancolia grave, sendo uma das psicoses).
Costumamos pensar no suicídio como um ato agudo, mas esquecemos que a atuação crescente da pulsão de morte, nas compulsões, nos descuidos com a vida, também são comportamentos mortíferos. Um exemplo disso encontramos no cinema, na biografia “Elvis”, direção de Baz Luhrmann, protagonizado visceralmente em todas as idades pelo ator Austin Butler, na HBO Max. Além do singular talento do belo jovem que escandalizava nos requebrados, nos deparamos com a linda voz de cantor e postura antirracista, amigo e influenciado por BB King. Bem provável que a derrocada de Elvis Presley, no casamento e carreira, com as drogas, tenha também a influência da mãe que morreu melancólica pela falta do filho, devido ao serviço militar punitivo, que truncou sua ascensão. Ainda contou ter um pai frágil, clássico de um fóbico. Isso deu um lugar à relação de proteção e exploração com seu empresário, o Capitão Parker, bem interpretado pelo carisma de Tom Hanks.
Clinicamente, em casos assim tão graves, as transferências têm que ser divididas com a psiquiatria, assistência social, psicologia, suporte, escuta e inclusão dos afetos. Sobremaneira, a ideação suicida numa depressão e a possibilidade do ato suicida são demandas às políticas públicas de saúde mental para que o PSF (Programa de Saúde da Família) conte com mais psiquiatras e a obrigatoriedade de mais psicólogos na equipe, lembrando de acolher o luto dos familiares, bem como escuta à natural culpa dos pais. Não só em setembro, quando os sinais são dados, a mão com amor e empatia não pode “amarelar”. Todos os atores citados devem estar alinhados ao lema da campanha: “Se precisar, peça ajuda!”.