Articular os sentidos dos significantes “segurança” e “desenvolvimento” é um exercício instigante. Enquanto psicanalista lacaniano, permito-me explorar os enlaces pertinentes às ordens do Imaginário, do Real e do Simbólico (IRS), tanto no contexto singular quanto no laço social mais amplo.
Quando falamos em segurança, nossa primeira impressão remete aos cuidadores — nas funções materna e paterna — como figuras incumbidas de garanti-la. Inicialmente, no plano do Imaginário, nos primeiros anos de vida, isso ocorre antes mesmo da constituição da fala simbólica.
A sensação do Real se manifesta pelo holding do abraço, pelas pulsões presentes no olhar, no toque, na palavra de amor. Pode ser pra não repetir processo: com o tempo, essa percepção é relativizada no triângulo edípico.
Herdeiro da resolutividade do Complexo de Édipo, o supereu passa a representar a lei simbólica — a interdição do incesto, a individuação e a estruturação do sujeito desejante. Um sujeito que se confronta com a falta (a castração): a mamãe não é apenas nossa — ela tem o papai, os irmãos, o trabalho e sua própria vida.
Nosso desenvolvimento saudável está diretamente relacionado à forma como esse processo se desenrola. Envolve lidar com frustrações e privações inevitáveis ao longo da vida.
Como cidadãos, esperamos uma asseguração contínua que não se limita ao lar. Essa segurança envolve o papel de educadores, da sociedade e do Estado, conforme previsto pela nossa Constituição e por estatutos importantes como o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), o Estatuto do Idoso, o Estatuto da Igualdade Racial, entre outros.
O mundo real é multiviolento: há risco ambiental, bullying na escola, cyberbullying, abusos (muitos ocorrendo dentro da própria família), além dos preconceitos raciais, homofóbicos, etaristas e de classe social.
Esses enfrentamentos colocam à prova nossa subjetividade, especialmente no que diz respeito à segurança necessária para o desenvolvimento pleno — seja cognitivo, emocional ou profissional. A lista de desafios é extensa e demanda políticas públicas eficazes, que vão desde a concessão de estradas até o enfrentamento do tráfico de drogas no Rio de Janeiro e em outras regiões, exigindo uma articulação entre os governos estadual e federal.
No início da semana, o governador fluminense Cláudio Castro (PL), alinhado ao bolsonarismo, protagonizou um episódio de “insegurança pública”, liderando uma polícia que, segundo dados, é uma das que mais mata e mais morre no mundo. Ao declarar como “bem-sucedida” a operação de guerra contra o tráfico — que resultou em cerca de 120 mortes —, parece querer manter o estado no topo do ranking mundial de letalidade policial.
Uma correlação interessante é que essa operação, chocante para o mundo, foi realizada sem o apoio da Polícia Federal — justamente quando o presidente Lula estava no exterior. Como se sabe, cabe ao presidente autorizar a atuação da GLO (Garantia da Lei e da Ordem), com o uso das Forças Armadas.
Convenhamos: a chamada “operação castradora” serviu também como cortina de fumaça para ofuscar a vitória diplomática de Lula na renegociação das tarifas impostas por Trump, reafirmando nossa soberania econômica.
A “autonomia” defendida por Castro soa frágil diante do fato de que o Comando Vermelho (CV) tem representação em 25 estados — o que exige uma integração estratégica com a Polícia Federal.
Agora, após a “matança bem-sucedida”, Castro conta com o apoio de governadores de direita — uma possível reedição do chamado “Escritório do Crime”? (Estamos em ano pré-eleitoral, afinal.)
Como contraponto, temos a proposta do Ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski: o “Gabinete da Paz”, uma estratégia que busca a descapitalização do tráfico — ou seja, “fuzilar” o bolso de quem lucra com o crime, em vez de aumentar o número de mortos.
Sem dúvidas, a construção de seguranças e desenvolvimentos amplos passa por olhares e ações interseccionais e intersetoriais, que articulem educação, saúde mental e emocional, justiça, política econômica e luta de classes. É preciso que o povo aprenda a escolher melhor seus gestores.
Na clínica psicanalítica, na escuta singular da narrativa de vida em cada etapa do desenvolvimento, trabalhamos na direção da cura. Cada sujeito pode ressignificar sua história para crescer de forma mais ampla, tornando-se mais seguro de seus desejos e de sua cidadania.
A escuta psicanalítica, quando estendida às políticas públicas de segurança, precisa alcançar crianças e famílias que vivem sob constante fobia e medo — sujeitas ao atravessamento inexorável de balas de fuzil e outras ameaças mortíferas.
Em tempo: um convite
Honrosamente, estarei novamente palestrando no Espaço LGBT+ do FESTURIS, no dia 8 de novembro, às 13h, em Gramado. Apresentarei reflexões sobre segurança e desenvolvimento no movimento da diversidade — focos relevantes também na 4ª Conferência Nacional LGBTI+, realizada em Brasília.
Destacarei ainda a importância das parcerias entre a Feira Baile da Diversidade, o Miss Universo Trans (MUT) e a Parada de Luta LGBTI+, por uma Porto Alegre que se desenvolva sob a inspiração da Parada de São Paulo — apostando no empreendedorismo e no turismo gay friendly. Vale lembrar: nossa capital abriga o maior contingente LGBTQIAPN+ do Brasil.



