No dia do “obrigado”, fiz uma postagem no “Face”, agradecendo a Deus, à minha resiliência e aos afetos pela força adquirida nos duros embates da vida.
Uma amiga virtual interagiu dizendo que não gostava de “resiliência”, pois era uma palavra “muito burguesa”. Deixei claro que a nomeação não se aplicaria a mim, pois não sou da classe referida, tampouco tenho ideologias afins, num sentido mais pejorativo (completo dizendo que nem todo o burguês é um vilão!).
Ainda assim, achei que o debate poderia ser salvo, vendo que seria possível que “resiliência” assumisse uma conotação de apologia a um empreendedorismo e meritocracia na ordem do capitalismo neoliberal, no qual “o sujeito por si só se faz”, com um “estado mínimo” e descomprometido com políticas públicas que nos capacitem com educação para uma boa inserção no mercado de trabalho e acesso aos direitos fundamentais que nossa Constituição nos garante.
Uma reflexão interessante poderia ter se dado, caso o fechamento num signo não fosse pontuado pela proponente. Então, lembrei que o conceito vem de áreas como a física e a Engenharia e que a “Psicologia positiva” adotou conceitualmente na pesquisa com as pessoas que nas piores condições conseguem enfrentar as adversidades, apostando na vida.
Ainda no campo da subjetividade, a discussão poderia ser mais rica, pensando que pessoas de qualquer classe precisam de boa dose de resiliência para enfrentar traumas de abuso e outras violências, um diagnóstico de saúde grave e lutos. A psicanálise não usa o referido conceito. Porém, numa interface com a clínica e teoria, a pesquisa pode ser feita apostando nas identificações, sobremaneira, a primeira, como dizia Freud, a emocional. Segundo Lacan, somos ao longo da vida um somatório de identificações que fazem o “Eu”.
Em tempo: nós do movimento LGBTQIAPN+, simpatizantes ou militantes, temos que ter muita resiliência como sinônimo de coragem para enfrentar violências e preconceitos calcados na heteronormatividade e homotransfobia.
E neste 29 de janeiro, tivemos um lindo evento de premiações aos atualmente mais resilientes e corajosos da sigla: as travestis e transsexuais. A força de um desejo tem que ser grande para se perceber no gênero que imagina, mudando o corpo, no Real, bem como adquirindo cidadania no trabalho e o simbólico do nome na identidade.
Hoje, no movimento LGTQIAPN+, num país que mais mata travestis e transsexuais, certamente estes são as mais resilientes no campo do desejo e na luta por cidadania e direitos gerais. Esta força mereceu no dia da visibilidade Trans a premiação de 50 personalidades gaúchas que nesta perspectiva fazem diferença. O evento foi realizado pelo Departamento de Diversidade e Inclusão da SJCDH, com o apoio da ONG Igualdade RS e da Prefeitura de Porto Alegre.
A psicanálise não negaria influências inatas, pois a cultura passa ao filogenético, mas aposta que as pessoas resilientes, de alguma forma em algum momento de seu desenvolvimento humano tiveram identificações favoráveis para isso.
O povo Brasileiro precisou de muita força para enfrentar os anos de chumbo da gestão mortífera bolsonarista, em plena pandemia do coronavírus. Seguimos buscando e apostando num país melhor, com a resistência no sentido de luta, sem leniências e anistia a fascistas e corruptos, não sendo “rês”, mas resilientes pelo anseio de vivermos num Brasil plural com dignidade humana.
Acredito, sem ser suspeito, visto que para ser analista, também passei pela experiência de analisando, que a travessia fantasmática, permitida pelo percurso em análise, nos favorece à grande resiliência: ressignificando traumas, lidando melhor com frustrações e sofrimentos recalcados, fazendo algo com a falta e apostando no movimento do desejo.