A hospedagem em hostel, estrangeirismo para “albergue”, vem crescendo como opção tanto para turismo quanto para moradia provisória. A principal vantagem é o baixo custo, além de ser uma alternativa para quem deseja socializar e está disposto a compartilhar ambientes que podem ser ocupados por pessoas de diferentes gêneros, etnias e diversidades em geral.
Confesso que nunca me imaginei em um espaço de convivência tão restrito, além do medo natural que a insegurança do mundo nos impõe, dificultando a chance de novas experiências. No entanto, neste carnaval, por não encontrar outro lugar, resolvi encarar a experiência de um hostel e aproveitar um destino que adoro junto com amigos: Barra da Lagoa. Um local que conta com o projeto Tamar, passeios para a Ilha do Campeche, espaço para boas caminhadas e um mar tranquilo, via de regra.
A Barra da Lagoa também dá acesso às praias Mole e Galheta, tradicionais entre o público LGBT+. Infelizmente, esse cenário tem se enfraquecido por diversas razões, incluindo episódios de homofobia e violência na Galheta, que vem sendo descaracterizada como praia nudista devido a um falso moralismo de viés fundamentalista, especialmente em um estado marcado pelo conservadorismo.
Corta! Voltando à aventura: para chegar ao albergue, há um canoeiro que nos atravessa pelo canal em poucos minutos. Com muita gentileza, ele ainda nos auxilia carregando as malas até o topo. Logo de cara, conheci Alexandro, o remador, que se revelou ser de Rosário, Argentina — cidade pela qual tenho um carinho especial, mesmo sem conhecê-la, pois foi onde nasceu minha saudosa mestra, Martha Brizio, fundadora da Clínica da UFRGS.
O Hostel Vista da Barra faz jus ao nome: a vista é deslumbrante, há uma deliciosa piscina e o paisagismo é encantador. O esforço das escadas vale a pena! Também há acesso por uma ponte, exigindo uma pequena caminhada.
Fui recebido com muita hospitalidade pelo jovem Gabriel (na foto, gerente de confiança da tia proprietária, Adriana). O acolhimento foi imediato, acompanhado de conversas bem-humoradas e inteligentes. Adriana, da mesma forma, me fez sentir em casa, em meio a argentinos e brasileiros, predominantemente. Devido à situação de guerra, este ano os israelenses não vieram.
Logo fiz amizades. Com uma colega psi de Córdoba, tomei um chimarrão com uma erva digna dos deuses e soube que, por lá, a marcha LGBT+ é muito forte. Também troquei ideias sobre turismo e gastronomia com um simpático italiano de Nápoles, que exaltou a cidade como o berço da melhor pizza — leve e naturalmente fermentada. Além disso, as músicas italianas, de gêneros variados, encantaram minha alma gringa.
E a questão do silêncio? Essa foi outra surpresa. Como não sou exatamente um folião, brinquei um pouco no centrinho na sexta-feira, mas logo desisti de esperar a chegada do tradicional trio elétrico “Baiacu”. Voltei para o hostel e dormi tranquilo, pois a galera mais jovem chegava tarde, mas sem fazer barulho. Minha sesta também foi em paz, já que a maioria dos hóspedes saía cedo para as praias.
A semana no hostel me afastou da televisão (que não havia) e reduziu significativamente o uso do celular — precisei dele apenas para comemorar, emocionado, o nosso Oscar, com tudo que “Ainda Estou Aqui” representa para nós. Minha cognição e meu equilíbrio emocional agradeceram o alívio da compulsão digital.
No quesito limpeza, tudo foi impecável (créditos para a Jaque). Só fiz uma campanha que deu certo: deixar as portas dos banheiros fechadas para não comprometer o ar climatizado e evitar a proliferação de bactérias.
As diversas facetas da minha identidade, entre elas a de antifascista e militante LGBT+, encontraram boas parcerias para conversas e trocas. O cérebro e a alma sempre se renovam quando estamos abertos a novas experiências. Eu também tinha medo de hostel, mas no Vista da Barra pude superar esse receio! Quem sabe este relato incentive outras pessoas a se aventurarem?
E, como psicanalista, disposto a romper com padrões repetitivos, consegui me lançar ao novo: depositar minha libido em um convívio digno e seguro.
Ah, e ainda ganhei um DJ na jornada! Henrique, esposo de Adriana, embalou meus momentos de relaxamento com músicas dos anos 80. Na despedida, me presenteou com uma canção emblemática e emocionante, que combina perfeitamente com a trilha sonora do que vivi: “Brothers in Arms”, do Dire Straits.