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Quando o jogo acaba e começa a covardia

Quarta-feira, Beira-Rio lotado. O Inter perde para o Flamengo e, em vez de análise de jogo, começa o show de covardia: integrantes do Canal do Baldasso são hostilizados e o nosso repórter da Real News, Raphael de Quevedo, é agredido por torcedores travestidos de valentes. Como se microfone errasse gol e caderno marcasse pênalti. A imprensa não entrou em campo; virou alvo de quem não sabe perder.

Não foi caso isolado. A mesma receita aparece no estádio, na política, na religião e nas redes: fanatismo, gritaria, dedo na cara, ameaça. A gente discute cada vez menos e agride cada vez mais. Até quando vamos confundir paixão com permissão?

O que diria Freud num estádio lotado? Que na multidão a responsabilidade se dissolve e a pulsão de morte procura um corpo para descarregar frustração. Que o narcisismo das pequenas diferenças transforma o quase igual em inimigo e, quando o freio moral de clubes, ligas e autoridades falha, a manada passa por cima.

E Nietzsche, como explica o veneno que ferve na arquibancada? Ele chamaria de ressentimento: a energia azeda de quem não suporta a própria impotência. A vontade de potência, que deveria nos empurrar a melhorar, vira vontade de derrubar o outro. O coro substitui a consciência, e a moral de rebanho dá licença para calar quem discorda.

E Schopenhauer, qual seria o antídoto para a vontade cega que só quer ganhar e, frustrada, parte para cima do primeiro alvo? Compaixão. Lembrar que do outro lado tem um trabalhador como você, com família e dignidade. Discordar, sim. Agredir, jamais.

Jornalismo joga? Não. Jornalismo serve ao público: apura, cobra, explica, critica. Clube grande convive com crítica; clube frágil tenta silenciá-la. Defender repórter não é “corporativismo”; é defender o direito de todos saberem a verdade — inclusive o torcedor que quer entender por que o time perdeu.

E o que fazer já, sem enrolação? Tolerância zero à violência com identificação, banimento e denúncia dos agressores. Regras claras e campanhas visíveis nos estádios: “critique, não agrida”. Proteção a quem trabalha: áreas seguras, rotas de saída, segurança treinada. Transparência nas punições, com clubes e federações comunicando o que foi feito. Lideranças que liderem, com jogadores, técnicos e dirigentes condenando agressões sem “mas” nem “se”.

Onde a gente erra? Quando normaliza abuso como “temperatura de jogo”, troca diálogo por lacração e transforma a rivalidade em ódio. Ainda dá para virar esse placar: a derrota do Inter é assunto de bola; a agressão a jornalista é caso de polícia — e de civilização.

E fica a reflexão final: se a sua paixão precisa calar o outro, isso não é amor à camisa — é medo vestido de torcida. O dia em que a gente tiver coragem de ouvir tanto quanto torce, o Brasil volta a ser lugar de disputa de bola, não de dignidade.

Foto: Real News

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Wagner Andrade
Wagner Andradehttps://realnews.com.br/
Eu falo o que não querem ouvir. Política, futebol e intensidade. Se é pra sentir, segue. Se é pra fugir, cala.
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