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Qual o papel de um mestre?

O dia 15 de outubro, Dia do Professor, trouxe-me instigantes reflexões sobre o que esperamos de um educador e sobre suas responsabilidades, à luz da psicanálise, em cotejo com a educação e a psicopedagogia.

É muito comum que, na busca pelo aprendizado, todos nós, movidos pela pulsão de saber, que, segundo Freud, tem sua origem na pergunta “de onde vêm os bebês?”, projetemos nos professores uma função maternal, esperando que eles resolvam nossas dúvidas.

Nos ciclos piagetianos, cada etapa do desenvolvimento infantil deve ser cuidadosamente observada na construção do conhecimento. Em Vygotsky, o conceito de “Zona de Desenvolvimento Proximal”, que considera “a distância entre o nível de desenvolvimento real”, dentro do processo de “maturação embrionária”, sugere um empurrão à autoria de quem aprende, facilitando a resolução de problemas. Um exemplo seria ajudar a criança a amarrar os cadarços do tênis, estimulando seu protagonismo e o desenvolvimento da inteligência.

A psicopedagogia e a psicologia escolar, que atuam nas dificuldades psicológicas relacionadas ao aprendizado — marcadas, evidentemente, pelas singularidades da vida de cada aluno —, deveriam estar presentes em todas as escolas como parte de uma política pública de educação.

A psicanálise em extensão pode ser útil na escuta das dificuldades, considerando as psicopatologias e como elas influenciam o processo de ensino-aprendizagem. Isso é especialmente importante em uma educação verdadeiramente inclusiva, que requer um manejo cuidadoso, especialmente com alunos que enfrentam comprometimentos emocionais graves, como autistas, psicóticos e aqueles com síndromes.

O conceito freudiano de amor de transferência é aplicável à relação entre educador e educando. O psicanalista Jacques Lacan trouxe a noção de “suposto saber”, em que o analisando atribui ao analista um conhecimento que permite o início do tratamento. Gradualmente, isso se desfaz conforme o sujeito se envolve com sua análise e com o conhecimento de seus próprios fantasmas e desejos.

Essa relação também pode ser aplicada ao vínculo entre educador e educando. Lacan, em seu “Discurso do Mestre”, alerta sobre os riscos de um educador que se coloca em uma posição perversa, pretendendo saber tudo sobre o outro, o que pode resultar em uma manipulação perigosa e impeditiva da evolução.

O encontro de desejo entre analista/analisando e mestre/aluno — respectivamente, em direção à cura e ao aprendizado — é poderoso e transformador.

Como disse Freud, uma clínica nunca é alienada do social; o mesmo vale para a escola. Por isso, nunca é fora de moda lembrar Paulo Freire, que não dissociava as peculiaridades culturais e as necessidades dos ambientes do ato de ensinar. Sua “Pedagogia do Oprimido” continua relevante, ajudando-nos a valorizar gestores que a considerem, respeitem e valorizem os professores.

Nós, psicanalistas lacanianos, não ocupamos o lugar de mestre, mas sim o de semblante, na escuta dos significantes que se destacam, interpretando quando o vínculo transferencial permite, facilitando que nosso analisando ressignifique suas dores, simbolize seus fantasmas e dê clareza ao seu desejo.

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Gaio Fontella
Gaio Fontellahttps://realnews.com.br/category/opiniao/blog-do-gaio/
Gaio Fontella (Psicólogo, psicanalista, graduado e pós-graduado pela UFRGS, comentarista e produtor do “Café com Análise”, no Youtube.
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