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Pesquisa aponta aumento de custo de vida e desigualdades em cidades mineradoras

Um estudo inédito encomendado pela AMIG Brasil (Associação Brasileira dos Municípios Mineradores) e realizado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas e Administrativas (IPEAD), da UFMG, comprovou que morar em cidades mineradoras custa bem mais caro do que em municípios similares sem mineração.

A pesquisa analisou os municípios mineradores de Minas Gerais e Pará e, utilizando a técnica de Análise de Clusters (K-Means), os comparou com municípios não mineradores de mesmo porte para formar grupos socioeconômicos semelhantes e garantir comparações válidas. Foram selecionados três municípios mineradores como foco principal: Conceição do Mato Dentro (MG), Mariana (MG) e Parauapebas (PA). Cada um foi comparado com um município de perfil similar sem mineração, como Extrema (MG), João Monlevade (MG) e Belém (PA).

Inflação estrutural e perda de poder de compra

O levantamento revelou que o custo de vida nas cidades mineradoras é sistematicamente mais alto. Em Parauapebas, por exemplo, os preços são 10,2% maiores que em Belém, a capital do estado. Em Mariana, a inflação local é de 9,4% superior à de João Monlevade, e em Conceição do Mato Dentro, os preços superam os de Extrema em 6,3%.

O impacto é mais severo para famílias de baixa renda. Quem recebe um salário mínimo anual (R$18,2 mil) tem perda de poder de compra que varia de R$ 1,1 mil a R$ 1,8 mil por ano nas cidades mineradoras.

O levantamento também revela que o preço da cesta básica é sistematicamente mais alto nas cidades mineradoras em comparação às cidades de controle. Em Parauapebas, por exemplo, a cesta básica custa R$ 721,66, enquanto em Belém, sai por R$ 692,27. Em Mariana, o valor é de R$ 753,40, frente aos R$ 737,19 registrados em João Monlevade. E em Conceição do Mato Dentro, o custo é de R$ 747,25, contra R$ 732,25 em Extrema. “Esses dados reforçam o cenário de encarecimento do cotidiano nas regiões afetadas pela mineração”, pontua Fabrício Missio, presidente do IPEAD.

“Os dados revelam um processo de marginalização social nas cidades mineradoras, causado principalmente pela alta nos preços da moradia. A chegada de profissionais com salários mais altos, geralmente contratados pelas mineradoras, pressiona o mercado de aluguel e expulsa moradores antigos e de baixa renda para áreas periféricas”, explica o pesquisador. Na cidade mineira de Mariana, por exemplo, os aluguéis são até 27,5% mais caros do que em João Monlevade.

Outros grupos de consumo com aumento expressivo incluem despesas pessoais, saúde, alimentação e vestuário. Em Conceição do Mato Dentro, as despesas pessoais são até 25% mais caras do que em Extrema; já os gastos com saúde e cuidados pessoais são 19,26% mais altos na cidade impactada pela mineração. Em Parauapebas, itens de vestuário são 29,77% mais caros que em Belém e as despesas pessoais chegam a ser 36,07% maiores no município minerador paraense.

“Segundo o estudo, o alto custo de vida não afeta diretamente os funcionários das mineradoras, que contam com bons salários, participação nos lucros, planos de saúde e, em algumas regiões, até acesso a escolas particulares para seus filhos. Já os trabalhadores terceirizados, os imigrantes em condições precárias e os moradores locais sem vínculo com a mineração são os que mais sofrem com esse impacto social”, enfatiza o presidente da AMIG Brasil e prefeito de Itabira, Marco Antônio Lage. “Enquanto os empregados das mineradoras vivem em uma bolha de consumo privilegiada, a maioria da população lida com salários baixos, serviços públicos saturados e custo de vida crescente”, avalia.

Ele ressalta que “o país está diante de um modelo econômico que gera riqueza concentrada e pobreza espalhada. Esse cenário impõe uma sobrecarga aos municípios, que acabam arcando com a maior parte dos custos sociais relacionados à população de baixa renda — cada vez mais excluída pelos efeitos da concentração de renda gerada pela mineração e pelo aumento expressivo do custo de vida nessas localidades”. Lage alerta que “o ciclo da mineração, quando não é acompanhado de planejamento urbano e políticas de diversificação econômica, aprofunda as desigualdades sociais e empurra os mais pobres para as margens da cidade e do consumo”.

A pesquisa identificou que o custo dos municípios minerados é mais alto que os valores arrecadados com a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). Por exemplo, no ano de 2021, em Mariana, houve um gasto de R$ 485 milhões e a arrecadação do royalty foi de R$ 236 milhões. Já em Parauapebas, a diferença é ainda mais exorbitante: houve um gasto de R$ 3,5 bilhões e uma arrecadação de CFEM de R$ 1,5 bilhão.

O estudo também mostra que os municípios mineradores gastam mais per capita com saúde e apresentam maior número de internações por mil habitantes, o que indica uma sobrecarga dos serviços públicos essenciais. “Isso reforça a necessidade de que os impactos sociais da mineração sejam compensados com políticas públicas estruturantes, e não apenas com ações ambientais pontuais”, alerta Marco Antônio.

Waldir Salvador, consultor da AMIG Brasil, destaca que “os impactos sociais da mineração são tão ou mais severos que os ambientais, mas ainda recebem menos atenção nos licenciamentos e nas políticas públicas”. Ele defende uma ação coordenada entre governos, empresas e sociedade civil para reduzir esses efeitos.

Com base no estudo, a AMIG vai atuar em três frentes principais: inclusão de cláusulas sociais obrigatórias nos licenciamentos ambientais; incentivo à diversificação produtiva para diminuir a dependência econômica; e ampliação da infraestrutura pública e dos serviços essenciais, como moradia, saúde e educação, para atender ao aumento da demanda e combater a exclusão social.

A associação também propõe que mineradoras e poder público compartilhem a responsabilidade pela criação de programas habitacionais nas cidades impactadas pela atividade mineral.

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