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“OS FALBELMANS” MEMÓRIAS DE VIDA E VOCAÇÃO CINEMATOGRÁFICA DE SPIELBERG

De modo apológico, Steven Spielberg inicia o filme “Os Falbelmans” com discurso pessoal, fazendo um lindo convite com gratidão ao expectador, para que não deixe de lado a grande tela do cinema. Traz, com generosidade e coragem, sua trajetória familiar, na qual foi se estruturando como sujeito e cineasta.

A Sensação de que a narrativa e o roteiro seriam intensos de emoções da vida, do desejo nato, do grande amor pela sétima arte e pela direção cinematográfica, aparecem nas primeiras cenas.

Na infância, para ver seu primeiro filme, “O maior espetáculo da terra”, Sam Fabellman (vivido pelo expressivo Mateo Zoryon), tem que encarar sua fobia do escuro e também de ver adultos em tamanho gigante na tela. O suporte dos pais foi um empréstimo de coragem e curiosidade pelo cinema.

Fobia é a típica neurose infantil que Freud analisou no caso “O pequeno Hans”. O abjeto fóbico é um deslocamento do que é atinente à angústia de castração, na elaboração edípica. Fica como especulação: o quê a escuridão e o tamanho grande dos adultos da tela poderiam, como metáforas, dizerem de suas questões familiares? (talvez algo já operasse no inconsciente em relação ao papel paterno, à fragilidade de mãe e do triângulo amoroso que se revela).

Ainda que a família tivesse suas disfunções, era ambiente de afeto, não repressivo ao talento que logo desponta no menino Sam: paixão pela sétima arte. Então, aí a angústia pode ser vista pelo viés lacaniano no campo do desejo.

Também o lúdico, como diria Melanie Klein, faz sua função na ressignificação dos medos, com o ferrorama e as encenações filmadas do trem atropelando um carro, tal qual Sam vira no primeiro filme. E aí, o guri seguiu como diretor criativo, dando a sua marca de muita ação e emoção de seus filmes.

A genialidade precoce com o manejo tecnológico e busca de modernidade no processo de filmar, têm um tanto da identificação com o pai engenheiro e a arte e sensibilidade com a mãe pianista. O tio, imaginariamente perigoso pela mãe, também deu sua cota de contribuição identitária à ousadia, irreverência e criatividade do “Pequeno Sam”.

O Sam, adolescente vivido pelo genial ator Gabriel LaBelle, ao reeditar seu Édipo, é solidário, escondendo o descoberto no que filmou, do envolvimento da mãe com o tio Bennie, querido amigo de toda família. O corte na edição é simbólico da ruptura que se afigurava no seio familiar.

As literais mudanças, o exercício interrompido das filmagens, os bullyings antissemitas que Sam enfrenta na escola, são ressignificados, justamente com a câmera na mão e na alma talentosa.

Sem dar spoiler, já na reta final, a dica do grande diretor que o acolhe como assistente, John Ford, é de uma riqueza técnica e simbólica para a vida profissional e pessoal do magistral Steven Spielberg: o importante é o enquadre acima do horizonte ou abaixo, sendo ruim o que é no centro.

Na associação psicanalítica, ouso deslocar o “corte” para a ressignificação do que nos circunda de modo repetitivo e sofrido, vendo e analisando o que está abaixo, no inconsciente, projetando a realização no alto do horizonte do que é da ordem do desejo.

Sem dúvidas, para quem conhece a obra, este é o filme mais lindo, intimista, semiautobiográfico, com enorme riqueza subjetiva na narrativa e nos personagens (merecedor do Globo de Ouro e forte candidato as Oscar, em cartaz, imperdível).

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Gaio Fontella
Gaio Fontellahttps://realnews.com.br/category/opiniao/blog-do-gaio/
Gaio Fontella (Psicólogo, psicanalista, graduado e pós-graduado pela UFRGS, comentarista e produtor do “Café com Análise”, no Youtube.

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