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Os corpos calamitosos

O frio faz pressão alta, facilitando AVCs e infartos nos corpos que não foram afogados. Restam corpos em lutos melancólicos diversos pelos seus empregos, moradas, memórias, afetos humanos e pets.

Sobrevivem corpos assustados, autistas, demandando rotinas estáveis. Corpos errantes de estruturas psicóticas circulam em ruas que ainda estão empossadas de lodos e águas insalubres.

Michel Foucault gritaria contra “O Controle dos Corpos” desanimados do Sarandi, reprimidos pela polícia disciplinar, na “biopolítica” de uma prefeitura que não os cadastrou para amparo e ainda os reprime.

Num Porto Alegre alérgico e fóbico com as chuvas, restam corpos sem rumo, assaltados, abusados, desapropriados de dignidade cidadã, sem trabalho, sem rumo e educação.

Corpos de LGBTQIA+ reclamam de todas as faltas e da estrutural homotransfobia que não desaparece na albergagem! Suspiram traumatizados numa esquizoanálise, os corpos “sem órgãos” instituídos, funcionais, irresponsáveis, imprevidentes.

O que diria Freud dos que nascem da catástrofe? Que marcas ficarão nestes egos corporais? Que identificações emocionais terão com seus pais desesperados por segurança, por um lar extraviado e destruído? Certamente, ele focaria ainda mais nas principais demandas de análise: bem amar e trabalhar!

O que Lacan diria do primeiro olhar do Outro materno aos filhos das águas mortíferas? Que investimentos narcísicos marcarão estes corpos com uma linguagem de desesperança, suspirando resgatar memórias de vidas naufragadas e sujas de lama?

Que diria Melanie Klein dos seios que alimentam recém-nascidos da enchente? Que dificuldade para não serem seios secos, “seios maus!”

Que diria Jung de um “inconsciente coletivo” marcado por um elemento água que virou arquétipo violento, desolador e de morte?

Que reflexões Adler faria sobre a busca de poder, que mais moveria o sujeito? Acredito que Foucault iria cooperar com o conceito de “Relações de Poder” nas quais existem resistências. Que estas sejam de militantes pela vida e direitos humanos, não escravizados pela dor. Que nas urnas, não mortuárias, expressem desejos de políticas ambientalistas que repercutam reparos do caos em tudo: produção, saúde, educação, SUAS atuante com suores mitigados.

Os corpos vão retornando para muitas casas vazias e insalubres. A vida psíquica com força e esperança demanda amparo ainda maior para não esmorecerem deprimidos.

E os valorosos corpos voluntários quedam cansados e merecem escuta pelo empenho, protagonismo, na falta de investimentos na logística de uma assistência social neoliberal.

Sem medo de que nos julguem “aproveitadores da tragédia”, nós, psicólogos, estamos a postos, precisando de trabalho e sabendo da grande necessidade de nosso ofício, na interdisciplina. Ao amparar, seremos amparados pelo nosso ganha-pão. Que iniciativas como a do GHC de contratar profissionais de saúde, inclusive da Psicologia, ainda que num cadastro reserva, não fiquem apenas como marketing. Que a promessa de mais profissionais do governador Eduardo Leite, também a esta área, seja priorizada, urgente!

Os corpos calamitosos estão voltando, querendo o sujeito de desejo, sol, águas limpas que matem a sede, higienizem, vitalizem a terra, sem medo de um Guaíba, rio ou lago.

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Gaio Fontella
Gaio Fontellahttps://realnews.com.br/category/opiniao/blog-do-gaio/
Gaio Fontella (Psicólogo, psicanalista, graduado e pós-graduado pela UFRGS, comentarista e produtor do “Café com Análise”, no Youtube.
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