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Os campos do racismo

Numa semana marcada pela agressão racista que o jogador Vinicius Jr. sofreu por parte de um grupo de torcedores do Valencia, na Espanha, sinto-me convocado a refletir: o que sustenta cultural e psicologicamente essas condutas!? Ainda que isso seja recorrente no futebol espanhol (Ronaldo passou pelo mesmo quando era centroavante do Real Madrid, foi injuriado por torcedores do Málaga). Porém, não vamos ficar projetando somente neles, o que é da nossa cultura ocidental escravocrata e racista.

A injúria racial, agora equiparada ao crime de racismo pelo Direito Penal, sendo imprescritível e inafiançável, é uma ferramenta de justiça importante. Entretanto, não é suficiente para conter os atos que se revelam constantemente. (O bolso sempre é o lugar mais sensível e mexer nele ajuda: a exemplo, a multa de US$100 mil dólares que a CONMEBOL aplicou ao Nacional-URU pelos gestos racistas de seus jogadores contra os do Inter, na 3ª rodada do Grupo B da Libertadores).

Conceitos característicos da psicanálise lacaniana ajudam-me a pensar nessa questão que sustenta a atuação e conduta dos racistas:

  • O Real: no caso, há uma pretensa superioridade genética que não se sustenta cientificamente, tampouco esteticamente.
  • O Imaginário: uma percepção de uma autoimagem em que o branco é o “puro”, com vertentes claramente nazifascistas, bem como um pé num delírio paranoico megalomaníaco. (Meu professor na Psicologia da UFRGS, Norton Rosa, apostava que Hitler seria, não um psicopata, mas um paranoico com os judeus).
  • O Simbólico: falar, ostentar seu preconceito com significantes pejorativos, é uma necessidade dos preconceituosos, numa tentativa de dar conta de algo que, na singularidade de cada um, é insuportável, por não saberem simbolizar o que realmente os incomoda.

O racismo estrutural pode ser mais bem entendido com esses olhares. Na estrutura bohêmeana, que envolve os conceitos citados, ainda temos o furo no centro “(objeto a)”, algo que foi perdido. Bom tema para pesquisa clínica. O que está de todo perdido para cada racista fazer os danos morais e físicos que causa ao outro por ser preto?

Ainda é considerável que o filósofo Nietzsche se referia à “alma alemã” multirracial, com predominância dos pré-arianos. Hitler inverteu essa perspectiva que não era racista nem nacionalista.

Ilustres pesquisadores como Paul Broca, fundador da antropometria, e o antropólogo Alfredo Binet tentaram correlacionar uma herança racial nas diferenças físicas, como tamanho do crânio, antebraço, etc. Eles nada conseguiram provar, abandonando essas ideias preconcebidas.

Binet, criador do teste de “Q, I”, que não visava uma discriminação racial, teve seu trabalho deturpado por psicólogos americanos que também visavam uma prova de que brancos eram superiores aos asiáticos e africanos, e que europeus do norte eram superiores aos do sul. E no campo da genética, temos provas de que o conjunto de genes responsáveis pela vida humana é o mesmo para todos, independentemente das diferenças raciais.

Fundamental é considerarmos que todo tipo de violência, inclusive a racial, é facilitada no contexto grupal, no qual o indivíduo se autoriza a fazer o que sozinho não teria coragem. Segundo Freud, em grupo, o sujeito fica submisso à emoção, que se intensifica, com redução da capacidade intelectual. As pulsões violentas são desinibidas, evidentemente com fatores de singularidade em jogo.

Essas passagens aos atos perversos se caracterizam, portanto, pela falta de superego, que desmente os avanços jurídicos no combate ao racismo, num gozo pulsional que não vê os riscos.

Portanto, não basta uma judicialização do crime racial: precisamos de uma psicoeducação permanente que passe também pelo campo familiar, escolar e curricular. Que as escolinhas de futebol possam fazer esse trabalho de desarticulação do preconceito racial.

Temos um exemplo educacional de vanguarda em Salvador, Bahia: a Escola Afro-brasileira Maria Felipa, primeira proposta no país, do infantil ao ensino fundamental, trilíngue (inglês, português e libras), um aspecto a mais de integração. Foi idealizada pela escritora e professora, doutora pela IQ/UFBA, Barbara Carine (@escolamariacarine).

No nosso campo clínico, psicológico e psicanalítico, estamos querendo marcar gols contra o racismo e o sofrimento psíquico decorrente dele. E os negros fazem parte do grupo em que estamos focando no trabalho virtual em nossa “Psi-psicoterapia online”, http//clinicapsi.org/.

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Gaio Fontella
Gaio Fontellahttps://realnews.com.br/category/opiniao/blog-do-gaio/
Gaio Fontella (Psicólogo, psicanalista, graduado e pós-graduado pela UFRGS, comentarista e produtor do “Café com Análise”, no Youtube.
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