Vivemos uma época em que a política virou palco — não de ideias, mas de likes. O cargo virou cenário. O mandato, figurino. E o vereador, aquele que deveria proteger o interesse público, virou um personagem caricato de reality show mal roteirizado.
Antes, fiscalizar era tarefa técnica, séria, quase invisível. Hoje, virou espetáculo barato. É como se um médico, em vez de operar, resolvesse fazer uma dancinha no centro cirúrgico. Sabe o que acontece nesse caso? Gente morre.
Fiscalização ou performance?
A pergunta não é retórica. Ela expõe a podridão do que temos assistido: vereadores com celulares em punho, invadindo espaços públicos, gravando vídeos como se fossem justiceiros urbanos… mas com roteiro de youtuber de quinta categoria.
Gabriel Monteiro foi o primeiro a provar do próprio veneno. O script era o mesmo: vídeos sensacionalistas, edição teatral, narrativa “heróica”. Resultado? Cassado. Preso. Desmascarado. Porque, no fundo, não passava de um projeto pessoal de vaidade disfarçado de “fiscalização”.
Agora, o remake de mau gosto vem de Canoas, com o ex-vereador Ezequiel Vargas, cassado por transfobia. A fórmula? Igualzinha: gravar servidor público exausto, atacar sem provas, viralizar à custa de alguém que está literalmente segurando o caos da saúde pública com as próprias mãos.
O custo da lacração: reputações arruinadas, vidas adoecidas
Vamos ser claros: o que Ezequiel fez não é fiscalização. É covardia digital. É usar o cargo para linchar moralmente alguém, com trilha sonora dramática e hashtags indignadas. É transformar um erro (real ou presumido) em munição para engajamento. E tudo isso sem uma investigação formal. Sem dados. Sem processo.
Abaixo o despacho da magistrada:
Isso não é combate à corrupção.
Isso é pornografia da dor alheia — transmitida em 1080p com filtro de indignação fake. E vergonha pública para quem confundiu serviço público com entretenimento viral.
Fiscalizar não é lacrar. É servir.
Você quer likes ou quer resultados? Porque são coisas diferentes. A população não precisa de um vereador que grita com servidor público na frente de uma câmera. Precisa de alguém que entenda contratos, planilhas, leis. Alguém que saiba usar uma CPI — e não um ringue de MMA retórico no Instagram.
Fiscalizar é técnico, frio, meticuloso. Não dá ibope. Mas muda o jogo. O resto é performance de vaidade para plateia rasa.
A democracia adoece com esse circo
Transformar o mandato em palco é perigoso. Você não melhora o sistema humilhando o operário que está tentando manter a máquina rodando. Você não combate a corrupção desinformando. O dano não é só ao profissional atacado. É à confiança pública. À credibilidade das instituições. À ideia de justiça.
Política feita para viralizar é como um carro esportivo sem freio. É rápido, barulhento e, cedo ou tarde, se espatifa.
E pra encerrar:
O vereador não é influencer. É servidor.
E se ele precisa humilhar alguém pra aparecer, então ele não serve — nem pra servir café na Câmara.
Você tem um mandato. Um instrumento poderoso.
Use isso pra mudar realidades — não pra colecionar views.
Ou então, seja honesto: largue a política e vá fazer vídeo de receita no Reels.
Pelo menos, lá, o dano é só pro estômago.
Foto: Brunna Graco