O sujeito em férias e a saúde mental

As férias do trabalhador são garantidas na nossa Constituição como um direito importante. A qualidade delas, numa sociedade dividida em classes, é diversa. Ainda assim, temos muitos ricos, pela compulsão ao trabalho, controle e ganho, que não são muito devotos dessa pausa.

O capitalismo neoliberal, que lava as mãos enquanto estado de se comprometer com as mais amplas necessidades de quem trabalha, não se implica também com férias que sejam de qualidade. Como diria o filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman, o trabalho “líquido” tem uma fluidez com os vínculos e obrigações.

A reforma trabalhista de Temer foi “aprimorada” por Bolsonaro: não existe nada mais “líquido” que a flexibilização dos direitos trabalhistas, estímulo ao trabalho temporário e ao contrato por tempo parcial. Se o descanso dominical poderia ser negado, imagina o estímulo às férias? (Embora sejam garantidas, muitos por necessidade as vendem, e tem quem compulsivamente volta antes do gozo, por medo do desemprego, como já vi).

Essa “fluidez”, como sintoma social, aparece nos afetos e, por que não, com o lazer e o descanso que são fundamentais para a saúde psicofísica.

Em psicanálise, sabemos que a vocação, que se expressa no trabalho, também é sintoma. Freud postulou que os objetivos da análise seriam bem amar e bem trabalhar.

Evidentemente, adoecemos com nexo laboral, mas também pela falta de trabalho: o desemprego avançou no segundo ano de Bolsonaro para 14,2%, o dobro do que chegou ao final dos governos petistas, 6,8%. Temos luz e esperança de que, no governo de Lula, será líquido e certo que os trabalhadores e o trabalho serão mais valorizados, revertendo o que foi alijado na reforma golpista.

Na psicologia institucional, existe um conceito interessante: sobreimplicação. Ele traz um bom corte à máxima demanda de resultados que sofremos e nos impomos no exercício profissional de qualidade. Porém, na correria, não paramos para olhar àquilo que produzimos com mais atenção, pois estamos sobreimplicados.

Na psicologia organizacional e do trabalho, uma L.E.R. (Lesão por Esforço Repetitivo), assim como uma depressão, são consequências do “burnout”, o estresse extremo, que não é um conceito psicanalítico. Conceitualmente, trabalhamos nesses casos articulando a angústia com a compulsão a repetir.

Numa interface com Freud, o conceito de repetição nos ajuda também a ver aquilo que repetimos e que nos adoece laboralmente. Lacan chama isso de gozo-sofrimento e diz que “a repetição demanda o novo”. E, como ruptura, tirar férias harmoniosas tende a ser terapêutico.

Eminentemente pulsional, as férias no carnaval podem ser maravilhosas ou tomadas pela pulsão de morte nas repetições de excessos de toda ordem. No entanto, o lazer equilibrado, que não dispensa a festa, a boa comida e bebida, nos tira da rotina com alegria, melhores e novas socializações.

As férias em família estão sujeitas a tudo isso, passando, para serem agradáveis, por planejamento e escolhas que sejam democráticas, contemplando os desejos, as dinâmicas grupais e com os amigos. Se a capacidade laboral eficaz e prazerosa é importante, também não podemos esquecer que quem não ama adoece. Do amor não se tira férias!

Quem trabalha com saúde mental, como eu, tem que dar uma parada de descanso, fundamental para o reequilíbrio e a boa retomada do trabalho clínico, com foco na escuta de nossos analisandos e no mesmo mútuo amor de transferência.

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Gaio Fontella
Gaio Fontellahttps://realnews.com.br/category/opiniao/blog-do-gaio/
Gaio Fontella (Psicólogo, psicanalista, graduado e pós-graduado pela UFRGS, comentarista e produtor do “Café com Análise”, no Youtube.

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