A partida, aos 88 anos, de Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, deixa marcas de uma liderança religiosa ímpar, que trouxe paz sem passividade; acolhimento humano sem preconceitos: antirracista, defensor das mulheres e divorciados, da democracia, do meio ambiente e dos pobres. Foi coerente com o nome que adotou em homenagem a São Francisco, recusando benesses do poder papal — até no descanso final.
Que Francisco foi uma luz e um avanço para a Igreja, os noticiários todos não conseguem negar e enaltecer. Por suas defesas, ele era considerado um “comunista” pela extrema-direita. E isso aparece num exemplo de discurso de ódio insensível, na Câmara de Vereadores de Porto Alegre: Mariana Lescano, do “Progressistas” (que ironia!), considerou a morte do Papa uma “limpeza espiritual”.
Uma lição de Francisco é que o ser humano pode evoluir, mudar de posições em prol de uma coerência filosófico-religiosa — afinal, todos somos filhos de Deus. Teve a coragem de pedir perdão pelos seus pares em relação à pedofilia na Igreja, que o filme Spotlight – Segredos Revelados bem relatara.
Vou focar no seu lado humano e sua importância para a comunidade que pertenço e defendo: a LGBTQIAPN+. Francisco tem uma trajetória de evolução. Em 2010, ainda cardeal, postulava que o casamento gay era “destrutivo aos planos de Deus”, justo quando o casamento homoafetivo era aprovado na Argentina.
Embora defendesse a descriminalização das relações homossexuais, mantendo-as como pecaminosas, ponderou, porém, que a falta de caridade com essa comunidade também é pecado.
Ele expôs discursos considerados retrógrados pela imprensa italiana em relação às mulheres, caracterizadas como fofoqueiras. Sugeriu a não aceitação de padres abertamente homossexuais, pois já havia muita “frocioaggine” (viadagem) nos seminários. Esses posicionamentos são idiossincráticos, atravessados pelo meio conservador do Vaticano, pois sua conduta e posições progressistas são preponderantes!
Nisso, bom lembrar que, no filme O Conclave, o cardeal Lawrence (brilhantemente interpretado por Ralph Fiennes) traz a importância de um Papa que tivesse dúvidas, pecados assumidos e arrependimentos — sem idealizações de santidade.
Então, perseguidor ímpar de novas ideias e diversidades, tornou-se o mais libertário e humano Papa, com a comunidade LGBT+ sobremaneira, nas citações:
“Se uma pessoa é gay, busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la? (…) O Catecismo da Igreja Católica explica isso muito bem. Diz que eles não devem ser discriminados por causa disso, mas integrados à sociedade.”
(Em 2013, de volta ao Vaticano, após a visita ao Brasil).
— Acolhimento às dificuldades dos pais de LGBTs (importante, pois a não aceitação familiar é causadora de maior sofrimento psíquico):
“Temos que encontrar uma maneira de ajudar aquele pai ou aquela mãe a apoiar seu filho ou filha.”
E, num documentário de 2020, trouxe uma postura de muita aceitação, vendo os homossexuais como “filhos de Deus” que “têm direito a uma família”.
Curiosamente, o filme de 2024 coincidiu com o adoecimento do Papa, trazendo os jogos de poder interno do Vaticano. Sem dar spoiler, o final nos surpreende pela manutenção de uma aposta trans, transformadora.
Vamos rezar para que, num contexto em que o extremismo de direita quer dar as cartas, o conclave não escolha um entrave ao roteiro — prêmio de esperança, paz e amor à humanidade delineado pelo falecido pontífice.
Francisco não precisa ser santo! Já é venerável pelo povo, pelos defensores da vida do planeta, dos direitos sociais e humanos.