O momento, o “real” natalino e sua simbolização sempre mexem com nossa criança interior. Revivemos momentos de sermos presenteados, confrontando o merecimento com o adulto que doa, é empático e solidário diante de perdas e lutos ainda não elaborados.
Trago aqui o “real” da Psicanálise de Lacan, conceito que revela nossos sintomas e que, na estrutura do sujeito, se enlaça ao imaginário — como o “bom velhinho”, o pai de todos que nos presenteia conforme o bom comportamento (algo que barganhamos e questionamos, especialmente na adolescência). E, por sua vez, ao simbólico, que está na cultura e no que tem sentido singular. Mas também temos o “objeto a”, aquilo que é perdido, o que nos falta e desperta o desejo.
Na minha infância, o imaginário do personagem mal vestido, num país tropical como o nosso, não durou muito. Em São Borja, por muitos anos, o Papai Noel entregava presentes à gurizada vizinha na casa do meu amigão, o renomado colunista Deco Almeida. Nunca deixei de saber que era o tio dele, Nei Almeida, que interpretava o Noel.
Eu não me preocupava com as diferenças entre os presentes, mas aproveitava o convívio e a socialização lúdica que unia os amigos. Depois, brincávamos de esconde-esconde, sem separação de gêneros, na esquina da Padaria Almeida, comandada por Lenira, que chamávamos carinhosamente de Gorda. (Essa brincadeira também servia como exercício para suportar a alienação, a separação, e convocar a procura — o desejo de ser encontrado, pela falta).
Na primeira infância, durante o processo de resolução do Complexo de Édipo, nosso narcisismo primário, egoísta, é normal. Nesse período, somos o centro, aquele que é mais amado do que amante, como aparece no Banquete de Platão. Isso traz à tona a reflexão de que a reciprocidade precisa se desenvolver junto ao narcisismo secundário, incluindo o outro.
Confesso que, desde cedo, gostei de ser aquele que presenteia com afeto. Como dizia Foucault, o sentimento cristão de fazer o bem também é por nós mesmos, pois nos faz sentir melhor.
Meus maiores presentes, especialmente neste ano trágico, vieram por meio dessa via. Foram: ser voluntário há cerca de 40 anos na minha casa espírita, o Atheneu Cruzeiro do Sul; trabalhar com dependentes químicos na Fraternidade Franciscana; e minha apaixonante militância no movimento LGBTQIA+, sobre a qual falarei no balanço do ano.
Que este Natal seja repleto de grandes presentes: amigos, família, amores e companheiros de luta.
Boas festas, com a árvore da vida do ambientalismo saudável, o brilho no olhar da pulsão escópica que acolhe, a invocação que ouve, a aceitação sem preconceitos e o saber voltado à qualidade de vida e ao progresso pleno!