O bem (o bom) e o mal (o mau), para além do maniqueísmo, se relativizam na transversalidade das visões ideológicas, filosóficas e de classe.
Na perspectiva ética do desejo na psicanálise, o que é bem e o que é bom passa pela lei, iniciada com a interdição do incesto. Assim como no que é vital, eros, o antitético, antiético, podemos pensar como mal, mau, thanatos, pulsão de morte.
O filme “O Mal que nos Habita” (Netflix) é capaz de trazer associações com essas reflexões. Nele, temos o “mal” como um agente espiritual, maligno, que opera tal qual um vírus, pois aparece no corpo dos “possuídos”, “apodrecidos”, sendo contagioso.
Podemos pensar em correlações com a psicopatologia psicanalítica na narrativa. Um mal atuante, sem lei, tem o componente da desmentida da estrutura perversa. Assim como uma somatização, comum em quem tem falhas simbólicas diante de seus sintomas, incluindo o corpo.
Encontramos uma mãe que, em nome do amor, literalmente, come seu filho, algo recorrente nas mães de psicóticos (ou nos que fazem esta função), que “engolem seus filhos”, subjugando-os aos seus desejos. Ela, por ironia, não elege seu filho autista para lhe acompanhar.
Lembramos que, embora o autismo seja um transtorno do neurodesenvolvimento, não podemos esquecer do olhar, da subjetividade, do investimento narcísico que constitui um sujeito.
Sem dar spoiler, encontramos a mesma mãe, não “suficientemente boa” (como diria Bowlby), que promove uma alienação parental, separando os filhos do pai que vai lutar muito, justamente pela vida deles.
Temos o discurso de uma ex-pastora, com o “Discurso do Mestre” de Lacan, para vencer o mal, que lucrava libertando seus fiéis do “encardido”: “O mal adora as crianças e as crianças adoram o mal”. De certa forma, traz o que Freud postulou que elas são “perversos polimorfos”.
Interessante é isso estar numa cena em que os estudantes são robotizados, zumbis, sem uma educação e supereu operante para que não destruíssem vidas, nem pactuassem com o líder “apodrecido” e mau.
Em extensão, a psicanálise vai nos ajudar a pensar o mundo mortífero em que vivemos e o ambiente destruído. Quem defende a ótica neoliberal, de um “progresso” que finge ser sustentável, não acha isso um mal, tampouco se acha mau, num negacionismo perverso.
Wilhelm Reich trouxe o conceito de “peste emocional”, oriunda do desprazer sexual, da falta de amor, que sustentaria o fascismo. Cotejando com Santo Agostinho, nada maquiavélico, “o mal seria uma ausência do bem”, não algo substancialmente humano. Isso nos ajuda a apostar na mudança, visto que a maioria brasileira, que foi enganada por um discurso “do bem”, derrotou um governo genocida e antidemocrático.
Temos um desafio coletivo: a militância ambiental, pela vida como um todo, passando pela forma de produção e harmonia das forças produtivas: tecnologia, meio ambiente e o homem.
Como no filme referido, o “apodrecido” por duas vezes pede para ser morto e não seguir contagiando. Boa metáfora de aposta do sacrifício que a ganância desmedida terá que escolher para no final não seguir gozando até a morte.