Mitos, historicamente, são convincentes por sua linguagem e postura carismática. Eles produzem subjetividade e conquistam um lugar de poder, tocando em algo que pode ser visto como uma herança filogenética transmitida para a cultura. Essa é uma tese que defendo com base antropológica e psicanalítica.
Líderes como Hitler e Mussolini, chegando até Trump, impõem-se com carisma e um discurso que ressoa com imaginários coletivos, passando por ideais de raça, nacionalismo, desamparo e proteção contra interesses estrangeiros. Mas, como diria Freud, o “estranho é o familiar” — em um mundo interligado e globalizado, não há como algo dar certo “em um único país”, como queria Stalin ao burocratizar ditatorialmente o comunismo.
No Brasil, temos um histórico de mitos políticos. Getúlio Vargas inovou com os direitos trabalhistas e, mesmo após sua ditadura, foi eleito, tornando-se ainda mais mitificado após seu suicídio, um ato que o fez escapar de um meio político corrupto. Depois, tivemos Collor, o “caçador de marajás”.
O mito Lula, reconhecido no mundo democrático, reafirma sua capacidade de articulação e tem promovido avanços rápidos e inegáveis. Não preciso citá-los, basta fazer uma planilha comparativa em Excel para ver os estragos causados pelo “Mito” da morte em tudo que tocou.
No entanto, o que explicaria a queda na aprovação de Lula? O ponto central é que a extrema-direita não dorme e segue operando com sua comunicação mentirosa, apostando em reverter os impedimentos de seu líder “ficha suja” para concorrer novamente.
Temos, historicamente, a dominação da burguesia, experiente e incansável. A comunicação — que a esquerda e a democracia precisam aprimorar — também tem grande impacto. Um exemplo recente é o caso do “Fake-PIX”. O fascistinha Nikolas Ferreira foi esperto em seu discurso dúbio: ele não afirmou que o governo iria taxar o Pix, mas disse que “pode”. O verbo “poder” tanto indica possibilidade quanto imperativo. O governo deixou a bola picando, mas a troca de Pimenta implica uma autocrítica: a comunicação precisa melhorar!
Retomando a tese: em Totem e Tabu, Freud nos apresenta o “pai da horda primeva”, que detinha o poder absoluto e exercia um gozo perverso sobre o clã, até ser morto pelos próprios filhos. Esse ato originou a lei da interdição do incesto, a exogamia e o matriarcado. Dilma, com todo o seu carisma e dignidade, não teve força matriarcal suficiente para resistir ao golpe e ao impeachment misógino.
Para se redimirem da culpa pelo parricídio, os filhos elegem um totem simbólico. Como hipótese, isso ainda faz parte da nossa cultura, que tende a criar mitos políticos. Lula, preso, seria eleito com folga, mas não conseguiu transferir seus votos para Haddad, que não tinha o mesmo carisma popular. Sem o mito Lula, a saída foi o mito Bozo, com o discurso de “acabar com a corrupção do PT” e trazer uma “moralidade à la TFP” para a nação brasileira. A identificação com um mito carismático, aliada ao alienamento da própria condição de classe, ajuda a explicar o fenômeno do pobre de direita.
É importante esclarecer que a psicanálise, neste contexto, avalia comportamentos repetitivos não apenas de um sujeito, mas do coletivo, da nação.
Se precisamos de mitos para ganhar eleições, temos um consolo e um otimismo: Bolsonaro, bandido, assassino e corrupto comprovado, seguirá inelegível e indiciado, não apenas com “convicções”. Aguardamos sua prisão. A extrema-direita não tem substituto à altura.
O desafio da corrente democrática é melhorar a comunicação, estando atenta aos candidatos a mito, com rostos bonitos e chapéus de palha, que não conseguem negar a competência do governo Lula, mas seguem apostando em amplificar pequenos erros com a mesma tática que elegeu Bozo e Trump: mentiras.
Portanto, Lula seguirá como a aposta para avanços sociais, com transparência e diplomacia, dentro e fora do Brasil, construindo um país tão gigante quanto ele.