Labirintite, liminares e o “prefeito ausente”: quando a desculpa vira método

Cachoeirinha vive um desses momentos em que a política resolve testar a inteligência do cidadão — e, de quebra, a paciência. O prefeito Cristian Wasem faltou ao depoimento duas vezes na mesma semana: na quarta-feira, 17 de dezembro de 2025, e na quinta-feira, 18 de dezembro de 2025. A justificativa repetida foi a mesma: labirintite, amparada por atestado. 

A pergunta não é se labirintite existe. É se governar permite essa espécie de “sumidão seletivo” quando chega a hora de responder às perguntas que importam.

Porque repare no enredo: no impeachment 2, a comissão chegou a considerar até oitiva virtual, e ainda assim a defesa pediu nova remarcação; o depoimento foi empurrado para sábado, 20/12, às 9h, presencial, com um argumento cristalino: o Decreto-Lei 201/67 (o rito federal que rege esses processos) não proíbe atos em fim de semana — e o prazo corre, com Natal e Ano Novo logo ali.   

Isso, por si só, já é um retrato: a Câmara precisando justificar o óbvio (“sábado pode”) para garantir o básico (“o prefeito compareça”). Quando o Poder Legislativo vira quase um cerimonial de “por favor, apareça”, alguma coisa está fora do lugar — e não é o labirinto do ouvido interno.

E tem mais: no impeachment 1, o cenário é diferente, mas o efeito político é o mesmo: suspensão judicial até anexação de documentos pedidos pela defesa, ligados a uma AIJE já encerrada, com prazo de vistas e tudo. O Tribunal de Justiça manteve a suspensão e ainda deu a indireta que doeu: prazo apertado não pode virar obstáculo à ampla defesa. 

Ou seja: de um lado, o prefeito não depõe no dia marcado; de outro, o processo fica travado por disputa documental e rito. No meio, a cidade assiste à política como quem vê uma peça ruim: todo mundo fala em “legalidade”, mas ninguém entrega clareza.

A nota da Câmara — no tom típico de instituição que tenta evitar incêndio com papel timbrado — diz que “os processos prosseguem”, trata liminar como “absolutamente comum”, fala em reversão “total ou parcial”, e promete respeito ao Decreto-Lei 201/67 e às garantias legais. Bonito. Só falta o principal: o depoimento acontecer.

Porque política não é só cumprir rito. É prestar contas. E prefeito não é personagem secundário da própria crise. Se está doente, que se recupere — ninguém pede heroísmo médico. Mas, se governa, precisa entender que há momentos em que a ausência não é neutra: ela vira mensagem. E a mensagem, nesta semana, foi péssima.

Agora, o sábado (20/12) ganhou um peso que não deveria ter: virou o dia em que Cachoeirinha vai descobrir se está diante de um prefeito que enfrenta as perguntas — ou de um prefeito que tenta transformar atestado em escudo político.

E aqui mora o ponto mais ácido: o cargo exige presença. O cidadão comum não pode “sumir” quando o boleto vence. O servidor não pode “sumir” quando há expediente. O prefeito acha que pode “sumir” quando a comissão chama?

Se Cristian comparecer, ótimo: que fale, que explique, que sustente sua versão com fatos, documentos e serenidade. Se não comparecer, aí a suspeita deixa de ser “clima de rede social” e vira hipótese racional: não é labirintite — é estratégia.

E estratégia de fuga, em política, costuma ter o mesmo destino: a queda não vem por uma prova “bomba”, mas pela soma de gestos pequenos que comunicam desprezo pela inteligência pública.

Cachoeirinha aguarda respostas. E, sinceramente? O mínimo que se espera de um prefeito é que ele não trate a cidade como plateia de desculpas. 

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Wagner Andrade
Wagner Andradehttps://realnews.com.br/
Eu falo o que não querem ouvir. Política, futebol e intensidade. Se é pra sentir, segue. Se é pra fugir, cala.
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