O papel da Justiça Eleitoral é essencial para garantir a lisura dos pleitos e a manutenção da democracia, e não pode ser confundido com a defesa de interesses específicos de candidatos. A recente decisão do juiz eleitoral da 134ª Zona Eleitoral de Canoas, Sandro Antonio da Silva, que determinou a retirada de vídeos de redes sociais por supostas fake news contra um candidato, traz à tona um debate importante sobre os limites da atuação judicial e o uso da Justiça Eleitoral como ferramenta de controle do processo democrático.
Segundo a decisão, a candidata representada teria divulgado um vídeo que apresentava montagem e adulteração da entrevista concedida à Real News, criando uma narrativa caluniosa contra o candidato Airton José de Souza, acusando-o falsamente de ser “ficha suja” e de ter cometido crimes que jamais foram provados. Embora o vídeo tenha sido, de fato, editado, a questão que fica é se a decisão de censura imediata foi adequada e se houve uma análise aprofundada do conteúdo, levando em conta o contexto em que as falas foram ditas.
Airton José de Souza, alvo das acusações no vídeo, está realmente envolvido em processos por improbidade administrativa. Embora sua defesa aponte a falta de trânsito em julgado, o fato de ele responder a tais processos é inegável. Contudo, a candidata adversária foi acusada de criar uma narrativa onde ele aparecia como “ficha suja”, reforçada por uma imagem manipulada que o colocava como presidiário. Este ponto exige cuidado, pois, embora a manipulação visual seja condenável, o que se discute é a veiculação de uma imagem mais simbólica do que factualmente incorreta.
Fatos vs. Manipulação: A Justiça Eleitoral não pode se submeter a narrativas
Vivemos uma era em que a informação se dissemina com rapidez e, infelizmente, o fenômeno das fake news é uma realidade. Contudo, isso não pode servir de justificativa para decisões precipitadas que favoreçam uma candidatura em detrimento de outra, especialmente sem um exame minucioso dos fatos. A função da Justiça Eleitoral não é proteger candidatos, mas garantir a equidade e a justiça no processo eleitoral. No caso em questão, o vídeo, apesar de editado, os fatos apresentados, embora duros, merecem ser debatidos publicamente.
Há uma linha tênue entre a preservação da honra de um candidato e o uso da Justiça como instrumento para silenciar críticas. Ao determinar a remoção do conteúdo de maneira liminar, o juiz efetivamente se coloca na posição de defensor de um dos lados da disputa, o que pode ser interpretado como uma interferência direta no equilíbrio do pleito. A censura imediata, sem uma avaliação completa do contexto, pode ser mais prejudicial à democracia do que o próprio conteúdo em questão.
A manipulação das imagens pode, sim, ser questionável. No entanto, criminalizar a edição de um vídeo que, no fundo, não altera a essência das informações levantadas, é perigoso. Isso abre precedentes para que qualquer denúncia legítima contra políticos seja silenciada sob a premissa de proteção eleitoral, quando, na verdade, o objetivo deveria ser expor fatos de interesse público. A mentira nunca será transformada em verdade por edições, mas a omissão ou o silenciamento de verdades podem, sim, fragilizar o eleitorado, criando uma falsa sensação de justiça.
Mais uma vez, reforço: o papel da Justiça Eleitoral é proteger o sistema, garantir o equilíbrio do pleito e assegurar que a verdade prevaleça, sem favorecimentos. Transformar o Judiciário em um escudo para candidatos é um risco à própria democracia.
O perigo de decisões precipitadas
Ao contrário do que muitos podem pensar, a decisão judicial não pode ser pautada por pressões políticas ou pela conveniência momentânea de um candidato. A Justiça Eleitoral deve atuar de maneira imparcial, visando sempre a proteção do sistema eleitoral como um todo, e não a proteção de indivíduos ou grupos. No caso de Canoas, a liminar concedida pelo juiz, que impôs uma multa diária de R$ 50.000,00 à candidata representada caso o conteúdo não fosse removido, pode ser vista como uma medida drástica e desproporcional, especialmente considerando que o vídeo, embora editado, não deturpa os fatos apresentados.
Além disso, é importante lembrar que a crítica política faz parte do processo eleitoral e deve ser preservada. A decisão, ao suprimir a possibilidade de debate público sobre as acusações, impede que o eleitor tenha acesso a diferentes visões sobre os candidatos e suas trajetórias. Não cabe à Justiça Eleitoral decidir o que é verdade ou mentira no campo das ideias, mas sim assegurar que o processo ocorra de maneira justa e transparente.
A Justiça a serviço do eleitor, não do candidato
A decisão do juiz eleitoral da 134ª Zona Eleitoral de Canoas suscita questionamentos fundamentais sobre o papel da Justiça Eleitoral no Brasil. O combate às fake news é crucial, mas não pode servir como pretexto para silenciar críticas legítimas ou impedir o debate público. A Justiça Eleitoral deve se manter fiel à sua missão primordial: proteger o sistema democrático, garantindo que os eleitores tenham acesso à informação necessária para tomar suas decisões de forma consciente e livre de influências indevidas.
Decisões como essa, se tomadas de forma irrefletida, correm o risco de comprometer a credibilidade do processo eleitoral, transformando o árbitro em jogador e desequilibrando a balança da justiça. A defesa da democracia passa, necessariamente, pela liberdade de expressão, e um juiz eleitoral jamais deve se colocar a serviço de um candidato, mas sim do eleitor e da própria democracia.
Nas próximas matérias, traremos na íntegra o processo no qual Airton Souza se defende de acusações do Ministério Público, órgão no qual ele afirma confiar.