No processo civilizatório, há uma luta constante contra as inseguranças: as intempéries ambientais, a fome, os predadores e, principalmente, o inimigo humano. Na luta de classes ao longo do tempo, a insegurança é presente em todas elas.
Por isso, somos marcados filogeneticamente pelo mecanismo de luta e fuga, também conhecido como “sequestro emocional”, um impulso que vai do talo pra a amigdala, como Daniel Goleman explica em seu livro “Inteligência Emocional”.
Lidar com desafios que precisam ser superados, de acordo com o desenvolvimento psicossexual psicanalítico, envolve o processo de castração. Esse processo tem início desde que nosso cordão umbilical é cortado, passando pelo fato de que nem sempre somos “a majestade do bebê”, como Freud dizia. Nossa mãe não é só nossa: ela é, em relação ao afeto, também dos irmãos, do pai, da vida e dela mesma.
No desenvolvimento humano e na individuação, a escola tem uma importância enorme na socialização e no aprendizado para enfrentar o mundo, consolidando a alienação/separação que acontece na elaboração edípica em relação aos pais, que Lacan considera como perda e divisão para que o sujeito se constitua como um desejante, não subjugado ao desejo do outro.
Aprendemos a dividir brinquedos e espaço. E, com sorte, a empatia pode ser construída. O psicanalista Winnicot acreditava em um ambiente transicional de aprendizado que passava pela solidariedade.
Com essa base, podemos pensar sobre a necessidade de uma distribuição solidária de papéis para todos, especialmente para a infância em fase de aprendizado. No campo dos cuidados, é importante lembrar do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que garante o direito das crianças de serem protegidas de agressões, negligências e violências de todo tipo.
Isso nos leva a um entendimento mais amplo da segurança que buscamos contra a violência escolar, que tem nos assustado também no Brasil, e do papel dos múltiplos atores na educação.
No governo Bolsonaro, a violência contra os direitos humanos não poupou as crianças, que foram literalmente usadas em sua campanha armamentista. Além disso, o lado “neoliberal” do presidente, que armou milícias, retirou da população o direito constitucional de segurança pelo Estado. Ainda hoje, existem clubes de tiro infantis, o que é aviltante.
Existe uma aposta de luz em tudo isso: justamente pelo investimento real, intersetorial, para garantir às escolas segurança. E não fica só nisso: uma visão de trabalho e educação integrada, interministerial, está sendo organizada com o governo Lula.
Com isso, não ficamos apenas nas saídas individualizantes, como os pais revistarem mochilas. As críticas aos danos violentos que o próprio policiamento pode causar são ponderações relevantes. Porém, temos urgência que isso seja feito de modo contido, acreditando que, na nova ordem, uma nova polícia vai se edificando, sem violência e corrupção, bem vigiada, denunciada e investida.
O governo está convocando a sociedade civil para se unir no combate à violência escolar e isso é muito importante, levando em consideração o suporte familiar, dos órgãos de segurança e de educação.
Quanto a “puxar brasa para o meu assado”, fico sem constrangimento nenhum: retomando a visão winnicottiana, é bom lembrar que atos antissociais respondem ao desamparo que acontece na infância, forjando adoecimento mental, inclusive graves, como a psicopatia.
O midiático não tem como fugir de apontar as tragédias sofridas nas escolas, buscando entendimento e segurança, também, com especialistas. Está abrindo o debate, apontando caminhos que psicologicamente previnam os riscos violentos.
Psicologicamente, se faz necessária intervenção que procure tratar e evitar a formação de sujeitos fóbicos, evitando a evasão escolar que já tem seus tradicionais problemas.
Freud superou a teoria do trauma e sedução, nos trazendo algo útil para a discussão em questão: não existe uma “psicogênese”, mas uma rede de eventos e afetos, no “só depois” que é psicopatológica, demandando um comprometimento mais amplo.
Esse acolhimento deve se estender aos demais atores: aos pais que enfrentam e promovem atos violentos no seio familiar; aos professores, já tão desvalorizados, que têm que ser escudo e dar a própria vida; aos funcionários das escolas, que não tiveram nenhum aumento salarial aqui no estado, e por aí afora!
Alguém seria capaz de achar que, investindo em políticas públicas para combater a violência nas escolas, não precisaríamos de psicólogos escolares, bem como na Rede SUS, principalmente no PSF (Programa de Saúde da Família), numa atuação territorial envolvendo UBSs, escolas e lares?