A acusação contra o vereador Gilvani Dall’Oglio (“Gringo”) se apoia essencialmente em três peças:
(1) a prestação emergencial de caminhões-pipa ao DMAE no fim de 2023, indenizada formalmente em 15/05/2024;
(2) um pregão de 2023, interrompido e rescindido em 07/11/2024, sem qualquer pagamento realizado;
(3) a suposição de que, já em 2025, haveria “contrato mantido” ou “favor público” em curso.
Mas basta observar a cronologia e a natureza jurídica dos atos para que a narrativa desabe.
Indenização não é contrato vigente
A execução dos serviços emergenciais ocorreu entre dezembro de 2023 e janeiro de 2024, quando Gringo ainda era apenas empresário — sequer eleito. O termo de indenização de 15/05/2024 nada mais foi do que o reconhecimento formal de uma dívida pela Administração Pública por serviços já realizados em contexto de urgência e calamidade.
Não se trata de nova contratação, tampouco de execução futura. A indenização administrativa é um instituto legal e necessário para evitar enriquecimento ilícito do Poder Público.
Pagamentos processados após a posse — como o ocorrido em março de 2025 — não transformam uma obrigação vencida em “contrato mantido durante o mandato”. É apenas a quitação administrativa de uma dívida pública legítima.
Resultado jurídico? Não havia qualquer contrato vigente à época da posse. Havia, tão somente, a regularização de uma obrigação pretérita. Assim, o artigo 66 da Lei Orgânica do Município não foi violado.
O pregão de 2023 não gerou vantagem: foi rescindido, sem pagamento
O segundo ponto alegado — a vitória em um pregão eletrônico do DMAE — também carece de substância jurídica.
O contrato foi assinado fora do período eleitoral crítico, iniciou-se em dezembro de 2023 e foi rescindido unilateralmente pela própria Administração em 07/11/2024, por pendência documental. Houve apenas empenhos — ou seja, reserva de recurso orçamentário, sem execução financeira.
Empenho não é contrato em vigor. Crédito não pago não é favorecimento.
Conclusão: no momento da posse, não havia contrato sendo executado, tampouco qualquer benefício em curso. Nenhuma das hipóteses do artigo 66 da Lei Orgânica está presente.
LC 64/90 (art. 1º, I, “l”): sem vínculo ativo no período vedado, não há inelegibilidade
A Lei Complementar nº 64/1990 impõe inelegibilidade a quem, nos 6 meses anteriores à eleição, exerça função de direção, administração ou representação em empresa que mantenha contrato vigente com o Poder Público.
Esse não é o caso aqui.
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O termo de indenização reconheceu uma dívida por serviço anterior ao período vedado;
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Não houve prestação no semestre que antecedeu a eleição;
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A condição de sócio-administrador, por si só, não caracteriza representação contratual ativa perante o Poder Público;
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E o pregão já havia sido suspenso antes do pleito.
A discussão sobre inelegibilidade, ademais, está totalmente superada: o registro da candidatura foi deferido, sem qualquer impugnação no prazo legal. O tema sequer se sustenta fora da via eleitoral própria.
Decoro parlamentar: sem contrato vigente, não há ilícito funcional
O artigo 66 da Lei Orgânica do Município — base da alegação de quebra de decoro — não veda a condição de sócio de empresa, nem proíbe o recebimento de indenização por serviços prestados antes do mandato.
Não se configurou favorecimento político, nem recebimento irregular de valores, tampouco qualquer influência do mandato nas obrigações da Administração para com a empresa.
Tudo o que existe é uma empresa que atuou em caráter emergencial, sob orientação técnica e controle de fiscais públicos, e que aguarda (ou recebeu) pagamentos administrativos obrigatórios por serviços pretéritos.
Não há contrato ativo. Não há benefício público atual. Não há quebra de decoro. O que existe é uma tentativa de ampliar de forma elástica uma regra restritiva, com finalidades nitidamente políticas.
Réplicas previsíveis, respostas objetivas
“Mas há crédito a receber, não é um favor?”
Não. Crédito público é direito da empresa, não privilégio. Favor público exige vínculo atual, vantagem concreta e tratamento diferenciado — o que não se observa no caso.
“Mas e a eleição?”
Qualquer dúvida sobre inelegibilidade deve ser resolvida na Justiça Eleitoral, dentro do prazo legal, não por manchetes tardias ou atalhos regimentais em comissão legislativa.
“Serviço emergencial é jeitinho?”
De forma alguma. A Lei permite a contratação emergencial com posterior indenização. É uma resposta legal à urgência, não um desvio.
O dever de precisão da imprensa (e por que a manchete induz ao erro)
A boa apuração jornalística exige precisão técnica, especialmente quando se trata de acusações públicas com impacto institucional.
Confundir reconhecimento de dívida com novo contrato é erro conceitual grave. Associar execução emergencial de 2023 com “favor no mandato” é distorção. Apontar crédito em liquidação como sinal de favorecimento é trocar o Direito pela insinuação.
Essas diferenças não são sutilezas jurídicas: são a base da segurança jurídica e do devido processo legislativo.
Três verdades que ficam
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Não houve contrato público vigente durante o mandato.
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Os pagamentos trataram de serviços anteriores à posse, a título indenizatório.
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Não se configuram inelegibilidade, quebra de decoro ou “favor público”.
Qualquer punição com essa base seria desproporcional, sem amparo normativo e contrária à segurança jurídica.
O pedido de cassação e quem o faz
O pedido partiu de Marcelo Matias, presidente do SIMERS. Aqui vale a regra de ouro de qualquer representação: transparência e ausência de conflitos. Em vez de personalizar o debate, é legítimo exigir publicidade de vínculos com empresas do setor, parcerias e patrocínios, além de políticas claras de prevenção a conflito de interesses. Se há questionamentos sobre conexões com grupos educacionais ou terceirização, que sejam documentados e publicizados — e só então discutidos nos fóruns adequados. Até lá, o mérito jurídico do caso Gringo x DMAE fala por si: não há base para cassação.
Foto: CMPA