Um levantamento feito pela reportagem da Real News, revela uma rotina de gastos supérfluos na Câmara Municipal — dinheiro público usado para bancar eventos, molduras, revistas e festas internas, enquanto a cidade afunda em carências básicas.
Enquanto a população espera meses por consultas, enfrenta escolas deterioradas e assiste a servidores da saúde se virando com o mínimo, a Câmara Municipal de Porto Alegre parece viver em outra realidade — uma onde o luxo se disfarça de “necessidade institucional”.
Segundo dados oficiais do Portal da Transparência, o Legislativo porto-alegrense empenhou R$ 1.911.785,09 em contratações e dispensas de licitação que revelam uma lógica perversa: a do gasto pelo gasto, onde a moralidade orçamentária é tratada como peça decorativa.
Decoração de luxo e propaganda visual custam mais que a reforma de uma escola pública
Em julho de 2025, a Câmara desembolsou R$ 129.937,50 para impressão de banners e adesivos institucionais.
No mesmo mês, destinou R$ 24 mil à confecção de quadros decorativos com molduras de vidro, sem nenhuma finalidade pública relevante.
O total, R$ 153.937,50, daria para reformar pelo menos duas salas de aula inteiras ou equipar um posto de saúde básico.
Mas, em Porto Alegre, o visual da Câmara parece ter prioridade sobre o aprendizado e a vida do cidadão.
“Tradição” bancada com dinheiro do contribuinte: R$ 161 mil em piquetes farroupilhas
No Acampamento Farroupilha de 2025, o Legislativo municipal investiu R$ 161 mil em dois contratos: R$ 100 mil pelo aluguel do lote e R$ 61 mil pela estrutura completa do piquete institucional.
Parece que o “orgulho gaúcho” virou pretexto para mais uma confraternização pública bancada com o suor do contribuinte.
Enquanto isso, os verdadeiros tradicionalistas lutam para manter seus CTGs funcionando com doações.
Coffee breaks e coquetéis: o banquete do Legislativo
Nada simboliza mais o abismo entre a Câmara e o cidadão comum do que os R$ 195.102,00 gastos em coffee breaks e coquetéis para eventos internos.
Reuniões e solenidades com cardápio refinado — pagos por quem raciona arroz e feijão para chegar ao fim do mês.
O contribuinte paga o lanche da elite política, mas precisa levar marmita quando vai ao hospital.
Assinaturas e revistas: informação paga com dinheiro público
Mesmo com todo o conteúdo da imprensa local disponível gratuitamente, a Câmara segue gastando R$ 38.267,40 em assinaturas de jornais e revistas.
Entre elas, Zero Hora (R$ 2.649,40), Revista dos Tribunais (R$ 19.045,00) e outras publicações jurídicas que poderiam ser acessadas digitalmente, sem custo adicional.
Pagar por informação pública soa como zombaria em tempos de transparência digital — é o retrato de uma administração que gasta para parecer informada.
Jurados, concursos e mostras internas: vaidade patrocinada
Sete pagamentos diretos a jurados de mostras artísticas e concursos internos somaram R$ 10.500,00.
Os valores são pequenos, mas o símbolo é enorme: enquanto faltam recursos para políticas culturais de base, o Legislativo financia sua própria vitrine estética.
Emergências seletivas e luxo disfarçado
Sob a justificativa de “emergência”, a Câmara empenhou R$ 245 mil em reformas, manutenção e locação de equipamentos.
Entre os gastos, R$ 73,5 mil para locar um gerador e R$ 36,9 mil em manutenção de internet.
No setor público, parece que “emergência” é tudo aquilo que ameaça o conforto da classe política — não o bem-estar da população.
Benefícios internos: a Câmara com plano de saúde, o povo com fila
Enquanto o SUS agoniza, a Câmara gasta R$ 650 mil em plano de saúde para servidores e dependentes, mais R$ 333 mil em softwares e licenças corporativas como AutoCAD, Power BI e Zoom Premium.
O total de R$ 983 mil em benefícios internos é quase o triplo do orçamento trimestral de algumas unidades básicas de saúde de Porto Alegre.
O recado é claro: a saúde dos vereadores e servidores importa mais que a do cidadão.
A moralidade pública em coma
A Lei nº 14.133/2021 autoriza contratações diretas em casos específicos, mas o uso sistemático dessas brechas expõe a falta de zelo com o dinheiro público.
É o desmonte silencioso do princípio constitucional da moralidade — artigo 37, inciso caput — trocado por conveniência e autopromoção.
Não se trata apenas de burocracia: é de ética.
E ética, ao que parece, virou luxo demais para caber no orçamento da Câmara.
O saldo final da imoralidade
Somando todos os contratos, a conta chega a R$ 1.911.785,09.
Dinheiro suficiente para:
- Equipar dezenas de salas de aula;
- Financiar medicamentos para postos de saúde;
- Ou reduzir parte do déficit habitacional da capital.
Em vez disso, foi consumido em molduras, cafés e piquetes.
É o retrato fiel de uma instituição que perdeu a noção do que significa servir ao público.
Prioridades invertidas
Enquanto Porto Alegre enfrenta enchentes, buracos, e escolas sem estrutura, a Câmara investe em festas, decorações e conforto interno.
A pergunta que ecoa é simples, mas devastadora:
De quem é essa Câmara? Do povo — ou dela mesma?
Foto: Ederson Nunes/CMPA