O novo presidente iraniano, o ultraconservador Ebrahim Raisi, anunciou ontem em sua posse que apoiará qualquer iniciativa para suspender as sanções ocidentais, mas advertiu que nem elas nem a pressão impedirão o Irã de defender seus direitos legais. Ele assume o poder tendo à frente desafios que variam entre persistentes e crônicos. O país enfrenta uma mortífera onda de covid-19, sua economia se contorce, espremida por sanções, e lampejos corajosos de protestos antigoverno sinalizam um profundo descontentamento.
No exterior, o Irã está extremamente isolado, preso a um crescente conflito com Israel. Negociações com os EUA e outras potências mundiais para ressuscitar o acordo nuclear estão empacadas. Mesmo antes da posse de Raisi, grupos de defesa de direitos humanos já pediam que ele fosse julgado por crimes contra a humanidade, por seu suposto papel em execuções em massa no Irã ocorridas mais de três décadas atrás.
Os iranianos já sinalizaram que ele pode não ser a pessoa certa para a função. Mais da metade dos eleitores aptos se abstiveram da última votação presidencial, na qual Raisi, um clérigo muçulmano xiita ultraconservador, pareceu ser o escolhido do líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei. Raisi ganhou de lavada, mas somente depois de vários candidatos proeminentes terem sido impedidos de participar da disputa.
Sua vitória consolidou o poder nas mãos dos conservadores linha-dura, um desdobramento que alguns analistas afirmam ter o mérito de unificar a liderança do Irã – após anos de disputas internas durante o mandato de seu antecessor Hassan Rohani – o que municia melhor o governo para enfrentar as várias crises do país.
Outros analistas ponderaram que Raisi poderia se valer dessa unidade para satisfazer uma crescente lista de demandas públicas
Em meio a uma escassez de água no sul, a resposta atrapalhada à pandemia de coronavírus e protestos em todo o país, há uma crise de confiança da população no governo, afirmou Esfandyar Batmanghelidj, fundador e diretor executivo da Bourse & Bazaar Foundation, um centro de estudos estratégicos com sede em Londres que tem como foco a economia do Irã.
“A maneira mais fácil de dissipar as questões a respeito de legitimidade levantadas pela votação seria demonstrar um nível de competência administrativa nas muitas crises que o Irã está enfrentando”, disse o especialista.
Em seu discurso ontem, ele afirmou que apoiará qualquer plano diplomático que permita o levantamento das sanções econômicas, mas ressaltou que nem as elas nem a pressão impedirão o Irã de defender seus direitos legais. Logo após a posse, os EUA pediram uma retomada rápida das negociações para reativar um acordo nuclear e forçar o Irã a cumprir seus compromissos, em troca do levantamento das penalidades de Washington.
Crise urgente
Em um outro discurso na terça-feira, 3, o novo líder reconheceu o clamor por mudança no país e prometeu combater a pobreza, a corrupção, o desemprego e a inflação alta. Mas ele se referiu brevemente à crise mais urgente no Irã: a pandemia de coronavírus, que ao longo da semana passada matou cerca de 400 pessoas por dia, de acordo com dados do Ministério da Saúde. A trôpega resposta à crise – atribuída ao governo de Rohani e ao líder supremo – deixou o país sem vacinas suficientes para enfrentar a mais recente onda de contágio; e iranianos têm apelado para o mercado clandestino e até viajado para a Armênia para conseguir se vacinar.
Após a circulação, nos dias recentes, de vídeos que mostraram hospitais lotados e pacientes deitados nos corredores, a crise do coronavírus deverá se provar um dos testes iniciais para a liderança de Raisi, afirmou Batmanghelidj.
Segundo Batmanghelidj, a economia do Irã tem melhorado, mas qualquer percalço em termos de comércio exterior, confiança na moeda ou preocupações a respeito do orçamento do governo poderia empurrar a economia de volta ao período de crise em que ela esteve por três anos.
Protestos que ocorreram no mês passado no sul do Irã em razão de escassez de água evidenciaram desafios heterogêneos à espera do governo, que há anos é acusado de administrar mal os recursos do país.
Noventa por cento dos cada vez mais escassos recursos hídricos do Irã são usados na agricultura. Construções de represas, secas e o aquecimento global têm intensificado os períodos de escassez, especialmente no sul, uma área rural que também abriga mais de 80% das reservas de petróleo do país.
Apesar disso, a região é empobrecida e assolada por antigas insatisfações a respeito de discriminação e negligência do governo. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)
Por Redação