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EM CADA GUAJUVIRAS DO BRASIL É ASSIM, ACORDAR CEDO E BUSCAR UM FUTURO MELHOR.

Quando era criança, lembro do meu tio que mora ao lado, bater na janela do pequeno quarto da minha mãe, eram três batidas, sempre discretas, rápidas e baixa, o suficiente para o ouvido atencioso de qualquer mãe, dificilmente acordava demais residentes, que às 04:45 da manhã estavam sob vigilância de Morfeus, o tio fazia isso em toda a rua, era o despertador de todos – saudosa figura querida por todos, gremista de ter infarto pelo seu time! – passava de casa em casa, levantando e acordando os demais trabalhadores da rua que saiam e deixam seus filhos adolescentes e crianças nas casas sem muros ou cercas. Eram dias difíceis e bem tensos, para qualquer chefe de família, no Guajuviras dos primeiros anos após-invasão, água era no caminhão azul da prefeitura, e tinha que correr atrás dele com os baldes, uma ou duas vezes por dia – ou caminhar até a “bica” (atual praça da brigada), para pegar água, lá sempre tinha, mas o caminho era longo, luz também era raro! poucas casas tinham, porque precisava que ir no mato cortar os eucaliptos para fazer os postes, quem mais ajudou, pelo menos no Setor 1, foi o vizinho Bailarino (até hoje não sei o nome real dele), mas sei que desde pequeno via ele e seu caminhão, um monstro gigante aos olhos de qualquer criança, arrastando as árvores até as casas dos vizinhos para virar poste! era estranho e bonito ao mesmo tempo. Todos se ajudavam e cuidavam uns dos outros.

Só via minha mãe à noite, depois que o sol também se despedia, o tempo é diferente quando se é criança, nem tinha noção de horas, só sabia que a tarde perdia pra noite, e no final da rua todos os adultos brotavam do chão. Hoje sei que estavam cansados e exaustos de seus respectivos trabalhos, mesmo assim alguns até jogam a finaleira do futebol “arranca tampão do dedo”, com  as crianças sujas e gritando toda hora, eu pensava! Será que eram feitos de ferro aqueles adultos?

Existem várias lembranças, minha infância foi como de muitas pessoas, que passaram muito trabalho, hoje adultas, que viram seus pais se esvaindo aos pouquinhos a cada dia, saindo de casa na madrugada para seus empregos e voltando a no final do dia, lembro de ver minha em casa às vezes no domingo, meus cuidados eram de responsabilidade das irmãs mais velhas (acho que adolescentes na época, mas pra mim eram adultos), em fim. Logo que começou a escola (creche), as coisas mudaram, a nova rotina era cheio de novidade (…), só consigo lembrar da minha mãe e de outros adultos insistir em três coisas quase que diariamente, que “nós deveríamos estudar sempre, nunca parar”, “que deveríamos respeitar os mais velhos” e “nunca falar com estranhos ou se meter em coisas erradas”, todos falavam a mesma coisa, sempre que tinham oportunidade, um verdadeiro mantra! Feito esse resgate nostálgico, hoje penso o que motivava aqueles adultos a passar todo aquele trabalho – além da paternidade lógico, se doar por seus pupilos, sair de casa e deixar ali naquelas paredes cinzas e terrenos sem muros, seu coração, sim, por que as mãe e pais, nos deixaram para ir ao trabalho, mas deixavam o coração, pensamento e fé em casa, para que tudo desse certo até o seu retorno – afinal quantas histórias ouvimos falar do Guajuviras? quantas vidas perdidas e lendas urbanas se criaram ali, algumas nem tão lendas assim. 

A resposta para esta demonstração de força e fé em dias melhores desses adultos, pais e mães (muitas mães solo – como a minha), é a Esperança, sim, esta pequena palavra poética, que define a vida da grande maioria da pessoas que vivem nesse espaço desigual que chamamos de mundo, país, estado, cidade e bairro. A esperança em uma vida melhor para aqueles que não viveram ou vivem em berço esplêndido, é o que motiva a pessoa a levantar todos os dias e começar de novo, é a esperança que motivava as pessoas a melhorar de vida, toda ela direcionada na educação e ensino dos filhos, esse sentimento fazia com que o conjunto de valores, experiência de vida, atenção, respeito e fraternidade dessem resultados no futuro. Aqueles que se identifica nessa realidade, com certeza já ouviu o pai ou mãe falar “o que posso te dar nessa vida é o estudo” (Sic.), sim sempre ouvi isso – e sempre repito para minhas filhas, parafraseando o clássico Superman, “o filho se torna e o pai se torna o filho”, nós somos o resultado do que nossos pais e criadores investiram, e nos tornamos eles, mesmo negando isso às vezes.

Então, no auge da minha terceira infância, concluo hoje, que a esperança é o que move as pessoas a acreditar em dias melhores, vida melhores e evolução, depositar nos filhos o desejo de superação, criar oportunidades de educar, ensinar e mostrar o melhor caminho. O povo, no geral é movido por essa vontade, de melhorar sempre, de acreditar em algo imaterial, a esperança em ter uma vida melhor, condição melhor, esperança de ver seus filhos cresceram em um lugar justo, esperança na vitória do seu time do coração, do casamento desejado, do choro com saúde do nascimento do filho aguardado, em um emprego melhor, em ser seu próprio patrão, em conhecer o amor fiel da sua vida, em envelhecer com saúde, em vencer a doença, em uma viagem nas férias, em ter a família reunida, em tudo que acreditamos ser justo e perfeito, para todos. 

Nossa gente preserva e cultiva a esperança, sabe que o caminho para um mundo e vida melhor está na formação e educação de seus filhos, só precisam da oportunidade justa para pavimentar essa estrada, por mais difícil que seja o dia, mais dificuldades que possa ter a vida de cada um, contas, anseios, dificuldades, não podemos de forma alguma deixar que aqueles que fazem de tudo para acabar com nossa motivação, nos faça desistir, ninguém irá roubar ou limitar nossa esperança em um futuro e uma vida melhor, somos fortes, somos muitos, sabemos o que fazer e acordamos cedo.

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Rodrigo S. de Souza
Rodrigo S. de Souzahttps://realnews.com.br/
Comentarista, Bel. Direito, Advogado, Sociólogo e Político.

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