O ego é um conceito da Psicanálise que, popularmente, costuma ser usado de forma negativa. Vamos dar um passeio por ele, pensando em sua importância nas relações afetivas, sociais e políticas.
Freud postulou o ego em sua segunda tópica, de 1923, definindo-o como o mediador que “negocia” as demandas e impulsos inconscientes (Id) com o Superego — instância moral que faz parte de nossa vida civilizada, em sociedade.
Nosso primeiro ego, no viés freudiano, é corporal. E o corpo, na visão lacaniana, pertence à “ordem do Real” — não se trata apenas de carne, mas também de linguagem, sendo naturalmente marcado pela mãe transitivista, que toca e nomeia suas partes.
Ainda dentro da Psicanálise, especialmente na clínica lacaniana, a relação com esse conceito difere da Psicologia do Ego americana, que visa torná-lo “forte”, interpretando, por vezes, de forma precipitada, as resistências.
Nunca esqueci uma entrevista, nos anos 90, que conduzi em dupla com Gloria Oliveira, na Rádio Pampa, com o psiquiatra e terapeuta familiar Gaiarsa. Ele afirmou que egos grandes são realizadores. Concordo — mas pondero que os egocêntricos podem ter um foco narcísico em si mesmos, prejudicando grupos e causas.
Um bom exemplo, em nossa história recente, foram os atos de Ciro Gomes. Insatisfeito por não se eleger presidente, ele protagonizou birras e divisões que prejudicaram até mesmo seu partido, o PDT — legenda que sempre teve grande simpatia popular, herdeira do carisma brizolista nas lutas pela democracia.
Impossível não reconhecermos que o ego de Lula não é pequeno — e tem feito frente a egos destruidores, golpistas, antidemocráticos, trazendo avanços em todas as áreas. Enfrentar o “ego-mor trumpista” foi benéfico para nossa democracia e economia. Pertinente é lembrarmos que a liderança transformadora de Lula não é eterna e que outros egos, positivamente realizadores, precisam de espaço para construção.
O “Ego Caim” do técnico Abel Braga
A homofobia segue dando as caras — numa compulsão à repetição — mesmo que hoje exista um superego da lei que a criminaliza. O técnico do Internacional, Abel Braga, liberou a sua de modo infeliz, ignorando que a camisa rosa usada por seu time fazia parte da campanha do Outubro Rosa, de prevenção ao câncer de mama.
Sua desculpa foi uma emenda pior que o soneto, ainda que partisse de uma premissa aparentemente correta — e nada a ver com Damares: “cores não definem gênero. O que define é caráter”. Ora, ora… caráter define gênero? Por favor! Gênero é uma construção social. Já o caráter está ligado ao comportamento, à ética, à educação e às identificações — independentemente da percepção de gênero ou orientação sexual.
O inconsciente preconceituoso, o “Caim” de Abel, revelou-se sem mediação do seu ego, que depois tentou se recompor, como vêm fazendo muitos homofóbicos, com desculpas nas redes, reduzindo tudo a um Grenal. Felizmente, nem todos os colorados simplificaram a infeliz manifestação do técnico. Houve repúdio, como o da vereadora travesti do PSOL, Atena Roveda.
Egos que constroem: o futuro Conselho LGBT+ de Porto Alegre
Felizmente, num país que mais mata pessoas da nossa comunidade, os egos LGBT+ não tendem à fragilidade — pelo contrário: buscam visibilidade e afirmação.
Nessa direção, tivemos, por proposição da Secretaria da Inclusão — com Maria Odete Bento, mulher lésbica e idosa à frente — o encontro pela construção do Conselho Municipal LGBT+ de Porto Alegre, com apoio do prefeito Sebastião Melo.
O evento contou com uma mesa bem representada pela bancada da diversidade, com mediação sensível e arguta do vereador Giovani Culau, e com o entusiasmo de Dani Moretson, secretário adjunto de Inclusão e Desenvolvimento Humano. Também marcou presença Glória Crystal, secretária da Diversidade do RS.
Na sua intervenção, Culau trouxe uma importante reflexão aos egos presentes: que não podemos deixar de lado nossas diferenças — que nos constituem — mas que elas não impeçam uniões e ações em torno de interesses consensuais. Um conselho municipal deve ser um espaço de políticas públicas para a nossa comunidade. O vereador está recebendo contribuições para a composição do futuro estatuto pelo e-mail: giovanioliveira@camarapoa.rs.gov.br.
A vereadora Natasha Ferreira também trouxe seu apoio, com o brilho de quem aprovou a cota de 1% para travestis e transexuais em concursos públicos. Ela brincou, dizendo que eu estava fazendo “propaganda da Feira Baile”. Sim — mas com o objetivo de que o futuro conselho traga apoio ao multiempreendedorismo LGBT+.
Meu ego, nesse sonho, é enorme — mas não é um fim em si mesmo. Conto com tantas outras parcerias: nossa união como a Parada de Luta e o Miss Universo Trans Brasil alimenta a aposta em uma Porto Alegre acolhedora, gay friendly, que se inspire na Parada de São Paulo, beneficiando produtores, DJs, artistas, eventos, a sociedade civil e os pilares do turismo: agências de viagem, hotéis, bares, restaurantes e casas noturnas.
Com esse mesmo propósito, tivemos no encontro de construção do futuro Conselho Municipal LGBT+ a intervenção de Renata dos Anjos, mulher cis e simpatizante, representando o coletivo Mães pela Diversidade. E também a de Athos, divulgando a Primeira Marcha Trans, que abrirá a Parada Livre neste domingo, 7 de dezembro, a partir das 10h, no Parque da Redenção.
A Parada Livre, no mês dos Direitos Humanos, com o mote “Revolte-se! Parada é Protesto”, é espaço para que nossos egos coloridos sejam vistos e ouvidos, com lugar de fala — sem sectarismos. Porque o significante “livre” não dispensa luta — e vice-versa.



