No conceito de 1923 da segunda tópica freudiana, o ego é o mediador dos impulsos do id e das imposições morais do superego (herdeiro do “Complexo de Édipo”), nos dando um princípio de realidade. Essas instâncias se inter-relacionam.
Nosso primeiro ego, nessa perspectiva psicanalítica, é o corporal, marcado pela linguagem do toque e da palavra transitivista da mãe, no viés lacaniano.
Lacan trouxe uma desconstrução da psicologia do ego americana, que apontava a necessidade de que este fosse “forte”, combatendo sintomas e resistências dos analisandos. Na análise lacaniana, temos o contraponto ao “Penso, logo existo” cartesiano, substituindo por “Sou onde não penso”, referente à dimensão inconsciente.
No entanto, Gaiarsa, psiquiatra e terapeuta familiar, aponta que egos grandes são realizadores. Certamente, é preciso um “tamanho” de ego para cada causa, e algumas exigem muito. O ego, porém, não pode ser um fim, mas um meio de construção, seja quais forem as metas pessoais ou coletivas.
Em psicanálise, os conceitos se articulam. O narcisismo patológico se expressa através do ego quando não inclui o outro, mesmo quando deste vem uma grande proposta.
Os movimentos passam também pelos desafios egóicos. Por conta do 28 de junho, dia do Orgulho LGBT+, fui confrontado com sabotadores da manifestação que meu ego tomou à frente.
Certamente, não faria isso sozinho, pois trazer o movimento da diversidade de volta às ruas, num dia de 12 graus, com várias ações virtuais ou em lugares mais confortáveis, necessitou buscar legitimidade nas representações da diversidade do estado, tendo como foco a solidariedade com as nossas vítimas das cheias.
O desafio, em pouco tempo, foi grande para conseguir apoios técnicos, simbólicos e de divulgação. Aqueles que não temeram o pouco tempo, que não se atrelaram a burocracias e sabotagens egóicas por não serem protagonistas, vieram cheios de paixão e vontade de fazer da tradicional esquina democrática nosso lugar de fala e música, com a voz e guitarra de Leny Barcellos.
Agradecimentos aos militantes, simpatizantes e lideranças instituídas: vereadores Adeli Sell e Giovane Culau e Dani Moretson; deputadas Luciana Genro e Maria Odele Bento; da Diversidade do município, DJ Tutty; Marivane Anhanha Rogério; Gil Cunha e Roberto Seintenfuz, da Parada de Luta; Glória Crystal, da diversidade do RS; e o ativismo pelo empreendedorismo LGBT+ de Maiara Hoffman. E o apoio ético-estético do FESTURIS e Mythago Produções, Marco Mattos, Zh e todos que estiveram no ato e divulgaram. E o acolhimento ativista e festivo do Boteco do Paulista.
Esta rede foi potente, deixando tudo de lado pelo dia de orgulho LGBTQIAPN+, que não é de nenhum partido, tampouco coletivo ou parada que deve ser das pautas do movimento, também livre de sectarismos.
É lamentável quando os egos e burocracias se colocam à frente de um dia que é de todos, esquecendo o histórico de conquistas e lutas que devem focar no combate aos preconceitos heteronormativos e contra a homotransfobia, no Brasil, país que mais mata membros de nossa comunidade.
Em tempo, aproveitando a reflexão: quem se analisa, dentro da ética do desejo da psicanálise lacaniana, vai poder sair do lugar de seus sintomas egocêntricos, tendo um ego fortalecido para melhor amar, trabalhar e realizar mudanças pessoais e as mais grandiosas que os coletivos demandam.