Deputada Stela Farias protocola PL “Não se Cale” no RS

A violência sexual é um tema complexo e delicado que infelizmente ainda é uma realidade na sociedade atual. Vítimas de assédio sexual sofrem não apenas com a violação física, mas também com o impacto emocional e psicológico que a experiência pode deixar. Muitas vezes, a cultura do silêncio e da culpa em torno da violência sexual impede que as vítimas denunciem os agressores e recebam o suporte necessário para se recuperarem.

A deputada Stela Farias (PT) protocolou na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul um Projeto de Lei que visa estabelecer o “Protocolo Não se Cale RS”. O objetivo do projeto é criar diretrizes que apoiem mulheres e meninas que são vítimas de violência sexual ou assédio em estabelecimentos de lazer, como bares, eventos festivos, shows, restaurantes, casas noturnas e similares.

De acordo com a proposta, o Protocolo terá como princípios a celeridade, o atendimento humanizado, o respeito à dignidade e à honra, o resguardo da intimidade e da integridade física e psicológica da vítima, bem como a preservação de todos os meios de prova em direito admitidos.

O Protocolo se inspira nos procedimentos adotados por uma casa noturna espanhola para proteger e acolher uma jovem de 23 anos que denunciou o jogador brasileiro Daniel Alves por estupro, ocorrido no banheiro do estabelecimento. Desde então, o procedimento tem inspirado diversas regiões do mundo a adotar práticas semelhantes.

Para a deputada Stela Farias, o episódio mostrou que é possível ampliar a rede de enfrentamento ao machismo e à violência contra as mulheres e ter os estabelecimentos comerciais como aliados nessa luta. “Ao criarmos o Protocolo Não Se Cale RS, queremos dizer que é preciso ampliar a rede de acolhimento e respeito em todos os espaços para que a vítima se sinta segura para denunciar e possamos avançar para mudar a cultura machista que desrespeita o direito das mulheres ao lazer sem sofrer importunação de nenhum tipo, pois isso é crime”, argumenta.

O projeto prevê ainda a adoção de procedimentos que garantam a responsabilização do agressor por meio da coleta e produção de provas capazes de instruir o procedimento de inquérito policial. Além disso, o Protocolo também prevê treinamento dos funcionários e funcionárias dos estabelecimentos comerciais para garantir o pronto atendimento da vítima, independentemente da cor, gênero ou classe social.

Stela Farias ressalta que as mulheres são afetadas cotidianamente por diversas formas de violência, desde a abordagem indevida, o constrangimento, o assédio, até situações mais graves de importunação sexual e estupro. E em muitas situações a falta de acolhimento da vítima que busca por socorro é outro grave problema: “Muitas vezes elas sofrem uma segunda violência pelo desprezo e culpabilização”.

O projeto agora segue para análise das comissões da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, e caso seja aprovado, passará a valer em todo o estado. A iniciativa é mais um importante passo na luta contra a violência sexual e o assédio, e pode servir de exemplo para outros estados e regiões do país.

Confira a entrevista feita com a Deputada sobre o projeto:

 

Qual é o objetivo do Projeto de Lei “Não se Cale” protocolado pela deputada no Rio Grande do Sul?

O objetivo central do PL é preservar direitos, garantir princípios e dar proteção integral às vítimas de assédio e violência sexual, além de oferecer orientações aos responsáveis e funcionários dos estabelecimentos para garantir a correta aplicação de medidas protetivas.

Em quais estabelecimentos de lazer o protocolo será aplicado?

Nós queremos começar principalmente com bares, boates e casas de festas. Estes são lugares em que há um número significativo de casos, o que inclusive tem afastado o público feminino. Não é de forma nenhuma, responsabilizar os estabelecimentos, mas justamente, formar uma parceria para mudarmos essa cultura nefasta.

Quais são os princípios do “Protocolo Não se Cale RS”?

Primeiro é dar celeridade ao atendimento dos episódios de assédio e violência contra as mulheres, com atendimento humanizado, respeito à dignidade e à honra, além de garantir o resguardo da intimidade e da integridade física e psicológica da vítima, bem como a preservação de todos os meios de prova em direito admitidos.

De onde você se inspirou para criar o Protocolo?

O caso do jogador Daniel Alves, revelou como a cidade de Barcelona, atua nestes episódios. O que nos chamou muito a atenção. O protocolo existe lá desde 2018 e já foi aplicado em outras cidades da Espanha. A melhor parte é que funciona, porque há um engajamento da sociedade, dos empresários, das instituições. Só assim é possível reverter esse quadro terrível que vivem as mulheres brasileiras.

Qual é o impacto esperado com a criação do Protocolo?

Nossa intenção com o PL é criar uma grande mobilização social, um pacto entre toda a sociedade, para proteger, coibir e mudar essa triste cultura de desrespeito às mulheres.  Por isso, nós estamos buscando interlocução com o Tribunal de Justiça, Ministério Público, a Ajuris, o CDL, a Associação dos Bares e Estabelecimentos Noturnos, Federasul, OAB, entidades da sociedade civil envolvidas com o tema. Como eu já disse antes, o objetivo maior é criar uma grande rede social, onde todos estejam comprometidos a coibir esse tipo de comportamento inadequado.

Quais são as formas de violência que as mulheres sofrem nos estabelecimentos de lazer, segundo a deputada?

Não é opinião minha. Há uma pesquisa, que inclusive foi encomendada por uma empresa ligada ao ramo do lazer e da diversão, feita pelo Instituto Studio Ideas, em 2022, que demonstrou que do total de mulheres ouvidas 53% já deixaram de frequentar casas noturnas e bares depois de sofrer a violência, 50% delas não vão mais sozinhas por receio e 47% enfrentaram insistência do assediador mesmo sem receber atenção. Outras 40% foram seguradas pelo braço ou cabelo quando o agressor não foi correspondido, 13% declararam que foram beijadas à força e 12% foram tocadas nas partes íntimas.  O levantamento revelou que 93% dos criminosos eram frequentadores dos estabelecimentos. Além dessa pesquisa que trouxe dados específicos, o quadro geral da violência contra a mulher no Brasil é algo estarrecedor, que requer medidas urgentes. Veja, o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgado em 2022, aponta que a cada 10 minutos um estupro foi praticado contra mulheres ou meninas entre março de 2020 e dezembro de 2021 e um feminicídio a cada 7 horas. Há uma verdadeira endemia de ataques contra mulheres e pessoas que se identificam com o gênero feminino (cis, lésbicas, trans, travestis e outros).

O que é considerado um grave problema enfrentado pelas vítimas que buscam por socorro?

Há muitas situações graves envolvendo desde a exposição indesejada, a culpabilização da vítima, a recusa de autoridades policiais em efetuar a prisão em flagrante, como aconteceu recentemente em Uruguaiana, até a negação de medidas protetivas. Enfim, são temas que nosso mandato também está dedicado, mas em outra frente, através da Comissão de Segurança, Serviços Públicos e Modernização do Estado, que será presidida por mim nos próximos dois anos, na Assembleia Legislativa e tem entre outras tarefas, o trabalho da Frente Interinstitucional de Combate aos Feminicídios do RS, criada no âmbito da Comissão para investigar inclusive a conduta de agentes públicos no cumprimento da legislação que coíbe e penaliza a violência contra a mulher.

Além de dar suporte às vítimas, o Protocolo também prevê medidas para responsabilizar o agressor. Quais são essas medidas?

Aqui é importante destacarmos que o foco não é o processo penal, que deve ser conduzido pelas autoridades competentes, aplicando a legislação que já existe e é uma das melhores do mundo, a Lei Maria da Penha, sancionada pelo presidente Lula, em 2006, ainda no seu primeiro mandado. O protocolo vem para garantir que a informação sobre o episódio seja rigorosa, que eventuais provas sejam preservadas, que o suspeito seja isolado da vítima e os direitos garantidos, inclusive a presunção de inocência. As medidas auxiliam inclusive a instrução do inquérito policial.

O que será feito para garantir o treinamento dos funcionários e funcionárias dos estabelecimentos comerciais?

Nós queremos construir um ambiente de diálogo, conscientização, compreensão e colaboração principalmente com os empresários e proprietários desses estabelecimentos. Como eu disse antes, a ideia não criminalizar o setor de entretenimento, mas torná-los parceiros das instituições na perspectiva de mudarmos uma cultura violenta e inadequada. Então, antes mesmo da Lei ser aprovada, nós estamos buscando canais de diálogo a partir das entidades representativas do setor. Com a lei aprovada pela Assembleia Legislativa, vamos instaurar uma ampla campanha, incluindo blitz em casas noturnas, bares e locais de festa, mas sobretudo trabalhando com muitainformação sobre os procedimentos previstos no texto legal.

Quais são os critérios para que a vítima possa relatar a agressão numa perspectiva de acolhimento?

O critério é se sentir invadida em seu espaço individual. Qualquer episódio que ocorra deve ser relatado aos responsáveis pelo estabelecimento, seguranças, gerente ou responsável, que a partir de um preparo anterior, vai saber como executar os procedimentos previstos na lei. Começa antes de qualquer episódio com ações de prevenção: orientações para evitar critérios sexistas em estabelecimentos de lazer, tais como ingresso diferenciado para mulheres ou qualquer tipo de promoção exclusiva para o sexo feminino;  Depois, como as Instruções para identificar um caso: cada estabelecimento deverá ter pelo menos uma pessoa qualificada ou com formação mínima para identificar episódios de agressão ou violação; por fim, as instruções para lidar com episódios de abuso ou agressão sexual: além de alguém capacitado para identificar casos de agressão ou assédio sexual, dar atenção à vítima e coordenar a ação envolvendo o caso. A vítima deve ser imediatamente protegida e o agressor, em caso de flagrante, deve ser imediatamente detido no local até a chegada dos agentes da lei.

 

 

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