Crônica aos namorados

Pelo transcurso do 12 de junho, trago reflexões psicanalíticas a respeito do namoro como um desafio ao exercício de amar, que raramente se eterniza ao longo de uma vida, com arranjos singulares, sublimações e investimentos libidinais em variados objetos.

O namorado(a) primeiro não escapa do triângulo edípico e hoje, com a nova ordem familiar, dos arranjos das funções paternas e maternas, não apenas heterossexuais.

Freud disse que a menina entraria no Édipo por causa da castração e o menino por isso sairia. Ambos, porém, na resolução edípica terão que declinar do enamoramento com os genitores para olharem outros candidatos fora da família.

Esta saída, não raramente, traz identificações com os pais, que aparecem nas escolhas ulteriores, tendo nos cônjuges muitas coisas semelhantes, o que permite a conquista da superação de um preliminar desejo incestuoso.

Na adolescência, a reedição edípica pode consolidar-se justamente pela busca de outros parâmetros, com questionamentos filosóficos e ideológicos, tendo a escolha apaixonante nesta radicalidade e numa idealização avassaladora de paixão.

A perda do lugar pleno que vivemos, que passa pelos anos iniciais de sermos completos e complementarmos nossa mãe, o Objeto a, na visão lacaniana, é previsto e deve ser saudável para o desenvolvimento. Justamente pela falta, castração, que nos faz buscadores de amor, desejantes.

O apaixonamento, em seus primeiros tempos, nos remete a uma posição de completude imaginária. Por isso, Lacan dizia que “amar é dar o que não se tem”. Sim, somos castrados e nossas paixões também!

Num processo de análise vamos aprender a lidar com as faltas nos afetos, como sucedâneos da falta do lugar que ocupamos e colocamos o Outro materno/paterno. Quem se analisa pode encontrar nas peculiaridades das relações algo bom no lugar da paixão, que termina ou fica moderada, tendo distribuição libidinal em outros objetos como amigos, criação, trabalho, filhos.

Raros são os casais que nos apresentam uma jornada que se assemelha ao amor eterno. Tarcísio e Glória foram assim, nos dando exemplo de que uma novela linda pode ser também nossa.

Como ninguém é igual e identificação não é imitação, casais assim inspiram a curiosidade de um pesquisador clínico como eu. Hoje, vejo e aprecio como amigo de ambos uma herança que ficou: “Tarcísio-Gloriana” – o eterno namoro de Tarcisinho com a publicitária Mocita Fagundes. Mocita, quando conheceu Tarcísio Meira, lembra que este disse ao filho: “Tarcisinho, encontraste a tua Glória!”

Mocita e Tarcisinho, há 15 anos, mantêm um apaixonamento que não é de personagens, observável por amigos íntimos como eu. A química é forte e alguns elementos fazem parte: não moram juntos, ainda que o eixo Rio-Porto Alegre atue incessante mesmo com as cheias.

Existe também a liberdade que se dão para corridas (ela é corredora), espaço importante para o trabalho, amigos e familiares. A saudade não pesa, provavelmente é uma falta que sustenta o desejo, além de respeito mútuo pelo ritmo de vida que escolheram.

Quem sabe a máxima de Lacan explique melhor: “Só o amor é capaz de conter o gozo, abrindo espaço para o desejo!”

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Gaio Fontella
Gaio Fontellahttps://realnews.com.br/category/opiniao/blog-do-gaio/
Gaio Fontella (Psicólogo, psicanalista, graduado e pós-graduado pela UFRGS, comentarista e produtor do “Café com Análise”, no Youtube.

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