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Congresso trava debate sobre anistia a Bolsonaro; governo e STF se posicionam contra

As discussões sobre uma possível anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro e a seus aliados, investigados por participação nos atos golpistas de 8 de janeiro, voltaram à pauta do Congresso Nacional, mas caminham com obstáculos relevantes. Divididos sobre o formato e o alcance da medida, deputados e senadores ainda não chegaram a um acordo, enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Palácio do Planalto demonstram forte resistência à proposta.

Na Câmara dos Deputados, onde o bolsonarismo mantém influência considerável, algumas versões preliminares de um projeto vêm sendo debatidas em reuniões internas. Uma das propostas, articulada por parlamentares do PL, prevê um perdão abrangente a investigados e condenados por crimes relacionados a ataques às instituições democráticas. No entanto, especialistas apontam que o texto pode ser considerado inconstitucional, principalmente se abranger crimes classificados como atentados ao Estado de Direito.

No Senado, as conversas giram em torno de uma mudança no Código Penal, com a reclassificação de crimes ligados a ações antidemocráticas. Ainda assim, o tema encontra resistência dentro da própria oposição e enfrenta o desafio de se diferenciar de uma tentativa de deslegitimar decisões do Judiciário.

Tarcísio em campo, Lula em oposição

A movimentação em torno da anistia tem contado com o apoio ativo do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), apontado como um possível nome para a disputa presidencial de 2026. O ex-ministro de Bolsonaro tem participado de articulações políticas com lideranças do Centrão e vê a pauta como uma peça estratégica para consolidar apoio do ex-presidente à sua eventual candidatura.

Enquanto isso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem endurecido o discurso contra o projeto. Em evento recente em Minas Gerais, Lula alertou para o risco de a proposta avançar no Congresso e chamou a sociedade a se mobilizar contra o que classificou como uma ameaça à democracia.

“Se depender só do Congresso, a anistia corre risco de ser aprovada. É preciso que o povo se posicione, porque a extrema direita ainda tem força política”, disse o presidente durante discurso em Belo Horizonte.

No STF, avaliação é de inconstitucionalidade

Ministros do Supremo acompanham com atenção a tramitação das propostas. A avaliação majoritária na Corte é de que qualquer tentativa de anistiar crimes relacionados à tentativa de golpe de Estado seria inconstitucional, por ferir cláusulas pétreas da Constituição e comprometer a responsabilização de atos contra a ordem democrática.

Internamente, magistrados também expressaram desconforto com a forma como o debate se intensificou enquanto o STF ainda julga réus acusados de arquitetar e executar ações golpistas após as eleições de 2022. Um dos casos mais relevantes em julgamento envolve o próprio Jair Bolsonaro e membros do núcleo político que o cercava à época.

Declarações recentes do presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, foram interpretadas por setores políticos como uma possível abertura ao diálogo sobre anistia após as condenações. No entanto, o magistrado negou que tenha sinalizado apoio à medida.

“Antes do julgamento, anistia é impossível. Depois, torna-se uma matéria política, mas isso não significa que eu a defenda”, afirmou Barroso, frisando que jamais antecipa votos sobre matérias que possam chegar ao Supremo.

Divergências internas e articulações no Centrão

Apesar da tentativa de unificação da pauta entre setores da direita, há divergências significativas dentro das próprias bancadas. No PSD, por exemplo, parte da base resiste a aprovar qualquer texto que beneficie Bolsonaro diretamente. O presidente do partido, Gilberto Kassab, tem atuado nos bastidores, mas ainda evita se comprometer publicamente com a proposta.

Aliados de Kassab lembram que ele mantém boa relação com o governo federal e não deve arriscar esse capital político. A situação é diferente de lideranças como Ciro Nogueira (PP) e Antônio Rueda (União Brasil), que adotaram postura de oposição clara a Lula.

A instabilidade também é evidente entre os presidentes das Casas Legislativas. Enquanto o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), evita dar prazo para votação, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), prometeu apresentar uma versão própria do projeto, focada na reclassificação dos crimes. A ideia, segundo ele, seria criar distinções entre líderes e participantes secundários, além de rever penas consideradas excessivas.

“Após a condenação, não há alternativa: todos respondem pelos crimes. Não cabe anistia ampla”, rebateu o líder do PL, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), em resposta à proposta do Senado.

2026 no radar

O avanço — ou não — da proposta de anistia tem implicações diretas no cenário eleitoral de 2026. Lideranças de partidos como PL, Republicanos, PP e União Brasil avaliam que o perdão a Bolsonaro pode selar um acordo político em torno da candidatura de Tarcísio à presidência. A estratégia buscaria consolidar uma frente única da oposição ao governo Lula, ainda que o apoio de Bolsonaro à articulação esteja condicionado à sua própria elegibilidade.

A leitura, contudo, não é consensual. Parte da base bolsonarista teme que a anistia beneficie apenas aliados políticos, sem resolver os impasses judiciais de outros envolvidos nos atos de 8 de janeiro. Além disso, há o receio de que uma articulação apressada acabe sendo revertida no Supremo, gerando desgaste político e jurídico para os envolvidos.

Foto: Deputado Paulo Bilynskyj/Reprodução

 

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Wagner Andrade
Wagner Andradehttps://realnews.com.br/
Eu falo o que não querem ouvir. Política, futebol e intensidade. Se é pra sentir, segue. Se é pra fugir, cala.
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