Quem acompanha a sucessão de tropeços jurídicos protagonizados pelo prefeito de Cachoeirinha, Cristian Wasem Rosa, já não se surpreende. O roteiro é previsível: comissões são instauradas, provas são colhidas, e, quando o cerco aperta, corre-se ao Judiciário em busca de um “salvador constitucional” para alegadas “ilegalidades processuais”. O problema — e ele é grande — é que a Constituição não serve de escudo para quem quer apenas ganhar tempo. E o Judiciário, felizmente, não se prestou a esse papel.
Na decisão mais recente, o juiz Ramiro Baptista Kalil indeferiu o pedido de liminar feito por Cristian no Mandado de Segurança nº 5020220-34.2025.8.21.0086/RS, onde o prefeito tentava suspender as oitivas de testemunhas no processo de cassação que corre na Câmara Municipal. Alegação? A de que sua procuradora foi intimada em uma sexta-feira à tarde para audiências marcadas na segunda de manhã. Um intervalo de mais de 24 horas, mas que, segundo a defesa, não seria “útil”. Ah, sim — porque agora o tempo virou conceito subjetivo.
A tese do prefeito era cristalina: se for sexta-feira, vale só meia hora. Sábado e domingo não contam. Segunda de manhã é maldade. Resultado? O juiz foi categórico ao lembrar que a legislação não exige que as 24 horas sejam úteis, nem condiciona o prazo à conveniência de quem se defende. E não, não cabe ao Judiciário criar exceções onde a lei é clara. Como escreveu Kalil, de maneira precisa e sem rodeios, a norma fala em “24 horas”, não em “tempo útil”, “prazo razoável” ou “condições ideais de temperatura e pressão”.
Aliás, o próprio Decreto-Lei 201/1967, que rege o processo de cassação de prefeitos, é cristalino: intimação com antecedência mínima de 24 horas, e ponto. Mas, para Cristian e sua defesa, parece que a letra da lei só vale quando interessa. De resto, tentam reinventar o ordenamento jurídico com base em teses mais sentimentais do que jurídicas.
Pior: o prefeito chegou a alegar que outro juiz — da 1ª Vara Cível de Cachoeirinha — teria determinado que o processo só poderia seguir após a defesa ter “tempo razoável” para analisar os documentos. O detalhe? Isso nunca foi decidido daquela forma. A narrativa, mais uma vez, é desmontada pelos próprios autos.
A tentativa de vitimização institucional beira o cinismo. Quem ocupa cargo público, especialmente no Executivo, sabe (ou deveria saber) que responder por seus atos faz parte do jogo democrático. Não cabe ao Judiciário funcionar como um escudo de procrastinação para políticos acuados.
O que temos aqui é um prefeito em vias de cassação, não por perseguição política — como gosta de sugerir —, mas por infração político-administrativa, prevista em lei, com rito claro e transparente. Se há provas, testemunhas e um processo regular correndo, o que se espera é colaboração, não esperneio.
A verdade é que Cristian Wasem Rosa tenta, mais uma vez, politizar a Justiça para judicializar sua defesa política. Mas a Justiça — ao menos nesse caso — respondeu à altura: com técnica, com lei e com independência.
O processo de cassação segue. E segue firme. O choro, como sempre, é livre. Mas a paciência do Judiciário tem limites. E os de Cachoeirinha também.
Investigação exclusiva: ocultação e distorção de informações no processo
Esta análise não se limita à decisão judicial. Durante o acompanhamento do processo de cassação, identifiquei — como jornalista — uma série de condutas que chamam a atenção pela tentativa deliberada de distorção e ocultação de informações em intimações.
Mesmo com a adoção de todos os meios legais de comunicação — visitas a escritórios, WhatsApp, e-mails, telegramas, publicações no Diário Oficial e disponibilização integral dos atos no processo eletrônico — há registros de estratégias adotadas por advogados para evitar ou dificultar a ciência de despachos e decisões.
Em um dos casos, acompanhados de perto por mim, a advogada de defesa chegou a informar ao Judiciário um horário divergente da efetiva publicação de uma decisão, tentando induzir o magistrado ao erro. A tentativa falhou graças à leitura atenta do juiz, que conferiu os autos com rigor técnico. Se o juiz tivesse acolhido a versão da defesa sem conferir os fatos, o andamento do processo poderia ter sido indevidamente prejudicado.
Especialistas ouvidos pela reportagem foram enfáticos: tais condutas, embora não inéditas, são eticamente questionáveis — ainda mais quando ocorrem em comissões processantes, que têm prazo legal de apenas 90 dias para concluir seus trabalhos. Um jurista consultado resumiu bem: “Nem o Judiciário, que tem prazos mais extensos, admite leviandades desse tipo.”
Essas tentativas de manipulação da comunicação processual comprometem a integridade do processo, criam obstáculos artificiais e afrontam princípios como a boa-fé, a cooperação e a transparência — pilares da advocacia e do devido processo legal.
Importante destacar: não há, até o momento, qualquer acusação formal da Comissão Processante contra profissionais envolvidos, que, segundo os registros, têm recebido e respondido todas as intimações de forma protocolar. As contradições e incongruências relatadas foram identificadas a partir da observação direta da cobertura jornalística, conduzida por este repórter.
O episódio deixa uma pergunta no ar: se a defesa está tão confiante na inocência do prefeito, por que tanta dificuldade em receber uma intimação?



