A mudança radical na articulação política do Palácio do Planalto indica que a entrada de Ciro Nogueira (Progressistas-PI) na Casa Civil teve motivos bastante pragmáticos, na tentativa de assegurar a sobrevivência política do presidente Jair Bolsonaro. Levantamento do Estadão mostra que não faltaram razões para a troca do general Luiz Eduardo Ramos por Nogueira, senador pelo Piauí e líder do Centrão. Desde 2003, Bolsonaro é o presidente que mais pagou emendas para deputados e senadores – R$ 41,1 bilhões até agora -, ao mesmo tempo que seu governo foi o que menos aprovou propostas no Congresso.
Entre projetos de lei, medidas provisórias e emendas à Constituição (PECs), Bolsonaro conseguiu aprovar 83 propostas desde o primeiro ano do seu mandato, em 2019. É como se tivesse recebido sinal verde para um projeto a cada 11,3 dias no Congresso. Michel Temer (MDB) aprovou uma proposta a cada 9,6 dias, em média. Conhecida pela falta de habilidade no trato com os parlamentares, Dilma Rousseff (PT) registrou marca ligeiramente melhor no segundo mandato, marcado pelo processo de impeachment: uma média de um projeto a cada 11,2 dias.
Os números mostram como os congressistas vêm ampliando seu controle sobre o Orçamento da União. O processo começou antes de Bolsonaro, mas acelerou no governo atual com a utilização das chamadas emendas de relator-geral, identificadas com o código RP9. Estas emendas se tornaram uma forma de o governo liberar recursos para aliados, de acordo com a conveniência do Palácio do Planalto e sem qualquer transparência. O caso, revelado pelo Estadão, ficou conhecido como orçamento secreto.
A modalidade RP9 resultou em pagamentos de R$ 8,34 bilhões em emendas apresentadas em 2020 e R$ 4,51 bilhões em 2021, puxando para cima o “custo” da relação de Bolsonaro com o Congresso. E também fez com que 2020 – ano da pandemia e de forte crise econômica – se tornasse o exercício com o maior valor pago em emendas desde 2003: foram R$ 22,6 bilhões. A maior parte do dinheiro é direcionada para melhorias nos redutos dos congressistas.
‘Custo’
Desde o começo do governo, é como se cada um dos 83 projetos aprovados por Bolsonaro tivesse “custado” R$ 495,2 milhões – embora não seja possível correlacionar diretamente a aprovação de projetos específicos ao pagamento de emendas. O valor é mais que o dobro registrado pelo segundo colocado, Temer (R$ 192 milhões).
Apesar de ter trocado o comando da articulação política, nada indica que Bolsonaro pretenda interromper o uso das emendas RP9 para conquistar a boa vontade do Congresso. Ao contrário: o número 2 de Nogueira na Casa Civil será o engenheiro Jonathas Assunção Salvador Nery de Castro. Antigo secretário executivo de Ramos, Castro coordenou a liberação das emendas RP9 em 2020.
Para a especialista em política legislativa Beatriz Rey, a comparação do “custo” em emendas de cada projeto aprovado dá indícios de como o processo político se desenrola. “Essa discrepância no ‘custo por projeto’ é decorrente da incompetência do governo em gerir a coalizão (no Congresso). Um valor tão alto mostra que Bolsonaro teve muita dificuldade em montar uma coalizão estável, e se viu forçado a encontrar outras moedas de troca”, disse Beatriz, que é pesquisadora da Universidade Johns Hopkins (EUA).
‘Esforço’
“Bolsonaro é o presidente, do ponto de vista da aprovação legislativa, com a pior relação com o Congresso. No entanto, o fato de ele não ter sofrido impeachment até o momento é também porque ele está fazendo esforços que Dilma não fez”, afirmou o cientista político da FGV Sérgio Praça.
Em junho, o Estadão mostrou que deputados contemplados com verba do orçamento secreto votaram com o governo em 87,6% das ocasiões em 2020 – o mesmo grupo de congressistas não era tão fiel em 2019, quando a distribuição de recursos ainda não acontecia: naquele ano, eles votaram com o governo 54,1% das vezes.
Para o fundador da Contas Abertas, o economista Gil Castello Branco, o custo do apoio parlamentar de Bolsonaro cresce conforme a popularidade do presidente cai. “O novo mecanismo (emendas de relator) é pior que os anteriores, visto que, nas emendas tradicionais, os patrocinadores eram conhecidos. No esquema atual, os parlamentares favorecidos são escolhidos a dedo, sem qualquer critério republicano.”
Procurado por meio da Secretaria de Comunicação, o governo não respondeu.
Por André Shalders