Há alguns dias, os gaúchos voltaram a ser confrontados com a dor da tragédia da Boate Kiss, uma ferida aberta há quase 15 anos e que jamais cicatrizou para os pais, familiares e sobreviventes. A cada nova decisão judicial, a sensação é de que o tempo passa apenas para quem nunca precisou enterrar um filho.
Em 2028, Santa Maria completará 15 anos da tragédia. Alguns dizem que a cidade “vai dançar valsa” com essa data. Para os familiares das vítimas, porém, não há música, não há comemoração. Quanto mais os anos passam, mais pesada se torna a ausência. A dor não diminui — ela se transforma, se aprofunda e se torna ainda mais silenciosa.
Essa dor, é claro, não alcança da mesma forma os réus, seus advogados e aqueles que sequer sentaram no banco dos acusados. Muitos, inclusive, são vistos pelos familiares como tão ou mais culpados do que os próprios condenados, por falhas, omissões e decisões que contribuíram para a tragédia e para a sensação de impunidade que se arrasta até hoje.
Infelizmente, o que se vê é uma Justiça que parece brincar com o coração de pais e mães que seguem vivendo o dia 27 de janeiro de 2013 todos os dias. Não tenho familiares que estavam na Boate Kiss, mas me coloco no lugar de quem perdeu tudo naquela noite. Muitas das vítimas tinham apenas 16 anos. Eu também tinha essa idade na época. Eram jovens com sonhos interrompidos, histórias que nunca puderam ser escritas.
Sou gaúcha e, toda vez que surge uma nova notícia sobre o incêndio da Boate Kiss, a sensação é de revolta e tristeza. O caso não é apenas de Santa Maria — é do Rio Grande do Sul, é do Brasil. É um retrato cruel de um sistema que falha em punir, em reparar e em respeitar a memória das vítimas.
Se você é sobrevivente ou familiar de uma das vítimas, deixe seu depoimento. Ele será incluído neste texto. Dar voz a quem sofre é uma forma de resistir e de manter viva a esperança de que, um dia, essa justiça falha e desigual possa mudar.
Minha solidariedade a todos que seguem lutando para que essa tragédia nunca seja esquecida — e para que a impunidade não seja a última resposta do Estado.
Boate Kiss: quando a Justiça falha novamente com as vítimas
A Justiça do Rio Grande do Sul concedeu progressão ao regime aberto a Elissandro Spohr, conhecido como Kiko, ex-sócio da boate Kiss. Com a decisão, ele passa a cumprir o restante da pena em liberdade, sob monitoramento por tornozeleira eletrônica.
Elissandro é o primeiro dos quatro réus condenados pelo incêndio ocorrido em 27 de janeiro de 2013 a obter o benefício. A progressão foi concedida após decisão favorável a um pedido apresentado por sua defesa.
Condenado pelo crime que resultou na morte de 242 pessoas e deixou mais de 630 feridos em Santa Maria, Elissandro teve a pena inicialmente fixada em 22 anos e seis meses reduzida para 12 anos, após revisão realizada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS).
A decisão judicial estabelece uma série de condições para o cumprimento do regime aberto, entre elas o uso obrigatório de tornozeleira eletrônica, a manutenção de vínculo de trabalho e a apresentação periódica à Justiça.



