Recentemente, duas polêmicas envolvendo Baby Consuelo e Lula despertaram indignação entre fãs tradicionais e defensores de direitos humanos.
Lula foi acusado de machismo ao elogiar a recém-nomeada ministra-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, enquanto Baby quase foi “linchada” nas redes sociais por falar em perdão a abusadores sexuais.
É verdade que, em um recorte pontual do discurso de ambos, há uma margem considerável para indignação, passível de muita crítica.
No entanto, Lula não tem histórico de machismo. Durante seu governo, apoiou Dilma Rousseff e hoje, novamente, lidera um governo com forte presença feminina em cargos importantes, incluindo Symmy Larrat, mulher trans e secretária da Diversidade.
No contexto do episódio recente, Gleisi estava sendo nomeada, obviamente, não por sua beleza. Há fortes indícios de que a declaração de Lula poderia ter sido uma ironia (um chiste no viés freudiano) direcionada aos bolsonaristas, que costumavam afirmar não haver mulheres bonitas na esquerda. Curiosamente, esses mesmos críticos nunca se incomodaram com o fato de seu “mito” se referir a mulheres de forma depreciativa, chamando-as de “fracassadas”.
Quanto a Baby: seu discurso foi infeliz e mal colocado, destoando de seu passado nos “Novos Baianos” e de sua trajetória como intérprete de tantos artistas não conservadores. (Sua interpretação de “Menino do Rio”, de Caetano, é memorável, assim como seu brilho no Festival de Montreux, quando foi muito aclamada como “do Brasil”).
No fim da década de 1990, após se interessar por ufologia, ela se tornou evangélica e passou a atuar como pastora do “Ministério do Espírito Santo de Deus, em Nome do Senhor Jesus Cristo”.
A indignação inicial nas redes sociais tem sua pertinência. Afinal, fundamentalistas religiosos não costumam “perdoar comunistas” nem “ter bandidos de estimação” — exceto, talvez, seus próprios golpistas contra a democracia.
Baby se retratou dizendo que o perdão era no “sentido bíblico” e que não defendia a impunidade. No entanto, isso deveria ter sido esclarecido desde o início, evitando a celeuma. É fato que religiosos e espiritualistas, em geral, defendem o perdão às ofensas, mas isso não implica isentar ninguém da justiça divina nem da justiça dos homens. A revolta contra a cantora ocorreu no contexto do movimento #SemAnistiaPraGolpista.
Para refletir sobre as duas polêmicas, o conceito de “anomia”, que Jacques Lacan trouxe da filosofia grega, é pertinente: refere-se a posições com lógicas fundamentadas que chegam a conclusões distintas sobre uma mesma situação. O discurso breve tanto do presidente quanto da cantora deu margem a interpretações variadas.
Como lacaniano, com respaldo da linguística, considero relevante a diferença entre o enunciado e o sujeito da enunciação — algo circunstancial, que não deveria categoricamente reduzir quem enuncia. Clinicamente, com uma melhor pontuação, tanto Baby quanto Lula poderiam ter deixado mais claro o sentido do que foi dito.
Enfim, Lula não representa um lugar tradicionalmente machista, nem Baby é uma apologista da impunidade. No caso dela, há uma hipótese de um crescente delírio místico, que poderia ter natureza psicopatológica.
Baby merece, portanto, consolo; e Lula merece ser ressignificado, pois representa muito do Brasil diverso e inclusivo.