As responsabilidades na tragédia RS

As responsabilidades envolvem aspectos macropolíticos, micropolíticos e comportamentais em um mundo em desequilíbrio ambiental, cuja ordem é regida pelo capitalismo neoliberal, que nos afeta diretamente, influenciando escolhas ideológicas e condutas individuais.

Estamos vivendo o “novo anormal”, pois a recente pandemia não provocou uma mudança radical na forma como o mundo lida com a produção e a gestão em todas as partes, resultando em uma destruição ambiental globalizada e sem fronteiras.

Mais próximo de nós, o descaso em relação aos alertas sobre o desastre de 2023 e a flexibilização de quase 500 itens do código ambiental são, sim, responsabilidade do governador do estado, Eduardo Leite, e seus tecnocratas. Sua posição em rede nacional a respeito disso é de negacionismo ambiental.

Nesta sexta-feira, em pleno Jornal do Almoço da RBS, o prefeito de Porto Alegre, de forma evasiva, voltou a culpar a natureza “imprevisível”, os moradores de áreas de risco e as gestões passadas. Ele nem sequer assumiu que os entulhos foram estimulados por ele a serem depositados nas ruas pelos moradores, que desejavam voltar em segurança às suas residências danificadas. Esse montante de lixo deveria ter prioridade no recolhimento para não entupir os bueiros, que transbordaram ainda mais.

Felizmente, o voluntariado é a gestão competente, fruto do estado mínimo: a implicação solidária é potente. E não podemos recusar ajuda de onde quer que venha, inclusive daqueles que causaram este momento que se assemelha a um apocalipse, transformando uma chuva em objeto fóbico.

Um grande oportunismo diletante é, em nome do socorro e da união, o estímulo a não culpabilizar ninguém, “politizando a desgraça”. Ora, como se abafar responsabilidades não fosse uma política que blinda os erros técnicos e a falta de prevenção das contenções de alagamentos, conhecidas há tempos.

Chegamos ao cidadão, ao sujeito de desejo, algo nuclear na ética psicanalítica: como cuidamos do nosso ambiente? A má educação é responsável pelo lixo que não colocamos no devido lugar, que entope os bueiros e é um fator considerável no não escoamento das águas. Ainda assim, muitas pessoas letradas e com cultura são literalmente relaxadas com isso, dando maus exemplos às crianças sobre como se desenvolverem com respeito ao espaço vital e à preservação da saúde (doenças como a leptospirose já estão se apresentando de forma mortífera).

A repetição, conceito frequentemente trabalhado na clínica psicanalítica, se estende para uma análise política e social: que o povo, tão solidário com a vida, possa não escolher nas urnas quem é mortífero com a natureza e, consequentemente, consigo, seus pets, amigos e familiares.

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Gaio Fontella
Gaio Fontellahttps://realnews.com.br/category/opiniao/blog-do-gaio/
Gaio Fontella (Psicólogo, psicanalista, graduado e pós-graduado pela UFRGS, comentarista e produtor do “Café com Análise”, no Youtube.

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