Retomando meu estudo de “O seminário 20 – A Angústia”, do psicanalista Jacque Lacan, fiquei instigado a ver o que a psicanálise em extensão pode dizer sobre afetos, sintomas que aparecem no laço social: Lacan traz a diferença do medo em relação a angústia e pontua a questão de onde parte o perigo.
Essas questões que envolvem conceitos e afetos merecem um olhar que faça a diferença, como eles operam nesta transição política, tanto à direita, quanto à esquerda.
Lacan destaca que a “angústia não é sem objeto”, acrescentando com base em Freud, que ela é “essencialmente angústia diante de algo”, porém, o medo também não é sem “objeto de onde parte o perigo”.
Como podemos observar este afeto no que moveu os fascistas à destruírem, no Real, os três poderes? O que está diante deles, não são apenas prédios, é a democracia resgatando tudo o que lhe é próprio: direitos individuais, socias, humanos e ética na gestão pública, tão fortemente respaldados pela nossa constituição do artigo 1º ao 37.
Com a denegação disso, que é democrático e legal, os terroristas apontam a luta, principalmente, em relação ao seu medo imaginário: do objeto de onde pare o perigo, o comunismo, bradado sempre como luta nas suas palavras de desordens.
Diferente de Freud, Lacan não se detém no que é perigo interno, atinente ao neurológico, vendo na divisão do sujeito em relação ao desejo do Outro (cuja função nas estruturação passa pelo materno, paterno, mas também o Outro social, ao longo do desenvolvimento).
No viés Lacaniano, a “Angústia é o afeto que não engana”. Mas a dúvida não é o que angustia, pelo contrário, a angústia é a causa da dúvida que dela se defende.
Se no neurótico a angustia é a causa da dúvida, como pensá-la diante da certeza delirante dos fascistas em relação às mentiras e à denegação da lei na perspectiva de golpe?
Na turba terrorista, atuando de modo perverso, temos a desmentida que não aceita a vitória de Lula nas urnas, buscando, no Real da tomada dos espaços de poder, um preenchimento desta falta que não reconhecem simbolicamente (a história de como lidam com isto, singularmente, é objeto de pesquisa clínica instigante).
A falta de dúvida, inclusive sobre o êxito de seus propósitos, é presente e sintomática nos atos vandalistas: uma desmentida da angustia e do próprio medo da democracia.
O desejo saudável, não sem lei, é mais passível e facilitador da busca de realização diante das faltas, seja de afeto, emprego, cultura, saúde e educação. O fascismo restringe tudo isso, com sadismo, separabilidade, dando resposta à burguesia mais mesquinha, mesmo a do capitalismo neoliberal, que na polarização, se alinha ao gozo perverso dos extremistas.
Nisso, temos um dos aspectos mais psicopatológicos observado na dinâmica grupal fascista, ainda que os diagnósticos individuais sejam tarefas clinicas.
Eu, particularmente, como bom neurótico, não vou sempre trazer certezas absolutas, mas a minha aposta é que, o ato preliminar à posse e nos ataques ulteriores, não tiveram uma organização lógica, estratégica, suficiente para um golpe consolidado, porém, cabem dúvidas a serem bem debatidas:
– A minuta de conspiração golpista, encontrada na casa do ex-ministro de Bolsonaro, Anderson Torres, e os ataques anárquicos, seriam indícios seguros que garantiriam uma vitória fascista?
– Isto seria capaz de destituir o governo Lula, democraticamente eleito, reconhecido por uma correlação nacional e internacional de forças democráticas?
– Se a atuação do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) tivesse agido, um golpe seria favorecido? Se isto foi sugerido pelo ministro da Defesa de Lula, José Múcio Monteiro, de que lado ele estaria?
– Teria cabimento a dúvida lançada pelo Zema, do partido “Novo”, governador de (MG), que a “vista grossa” de Lula em não usar a GSI, seria para se fazer de “vítima”? (uma posição passiva que resultaria em perda de poder? Por Favor! Fora que, Flávio Dino fez um dia antes o alerta dos riscos às autoridades de segurança do DF).
Acredito que fora do terreno da dúvida, Zema tá representando uma burguesia em crise de liderança, principalmente entre os neoliberais, pois o fascismo, delirante, segue apostando no Bozo.
Para dissolver o imaginário duvidoso: Monteiro afirmou que as Forças Armadas estão conscientes das providências que estão sendo tomadas pela segurança nacional, consequentemente pela governabilidade de Lula.
Essa firmeza não o posiciona num terreno que é antifa? Conforme Lula, a investigação em curso não necessita de uma CPI para apurar e punir todos os atores do terror.
Consiederando as certezas absolutas, sintomas de psicopatologias graves, o excesso de dúvidas não fica muito longe. Se na turba fascista, o medo do comunismo imaginário como objeto bem determinado é o que os move, existe uma pobreza simbólica que os limita de ver mais além.
A resposta aos estragos gerais, não aos feitos contra a esplanada dos três poderes, estão sendo revertidos com uma mega celeridade de atuação intersetorial ministerial.
A saúde mental não ficará de fora. Temos uma nação adoecida pela pandemia, pelos que são dos afetos, da falta de trabalho, educação, destruição do meio ambiente e da cultura.
O terrorismo contra a democracia está na ordem do gozo mortífero, que não acolhe os limites da lei, não combina com a noção Lacaniana de desejo, algo entre Kant e Saad. Portanto, fundamental serão os rigores da lei, na “prisão” e no bolso dos vândalos que assim serão contidos nos seus ímpetos perversos.
Por outro lado, sujeitos de desejo, movidos pela falta, seguirão militantes e unidos com a democracia na sua reconstituição.
O estrago na saúde como um todo e na mental, foi grande nesses anos trevosos: Sucateamento dos CAP (Centros de atenção psicossociais), culminando no fim de 2022 com a revogação de 99 portarias em defesa da saúde mental.
Felizmente, na posse, Nísia Trindade, a ministra da saúde, anunciou a retomada dos investimentos no SUS, nas vacinações. Pela celeridade em tudo, retomando a destruição geral nos quatro anos de Bolsonaro, não ficaremos na dúvida que a saúde mental deverá ser aposta, com a criação de um departamento para este fim.
Neste caldo patológico, mesmo quem não se bandeou para o fascismo, padece de sofrimento mental, que demanda políticas públicas.
Em tempo, na esteira das políticas públicas de saúde mental, a campanha “Janeiro Branco” traz o alerta para todos os sofrimentos psíquicos que se exacerbaram na pandemia, principalmente pelo descaso do governo negacionista: ansiedade, depressão, melancolia e traumas com as violências. São demandas para a “Clinica Ampliada”, nos moldes do Humanizasus e à clínica individual.
Enfim, retomar a lucidez diante das mentiras que levaram a um transe muitos que não são propriamente fascistas, passa por uma intersetorialidade entre os ministérios, sobremaneira entre o da saúde, cultura e educação.