A simbologia do Carnaval no olhar da psicanálise

Dentre os conceitos fundamentais, a pulsão é o que eminentemente caracteriza o carnaval. Em Freud, para pensarmos a dinâmica do inconsciente, faz-se necessária a articulação com o conceito de “pulsão”, iniciado no texto “Os três ensaios sobre uma teoria Sexual”.

Na pesquisa Freudiana, ficou marcada a diferença entre o que o ser humano faz (e ao objeto) para obter prazer sexual e o instinto que nos animais está apenas ligado à procriação. Ele vai situar o campo das pulsões como algo limítrofe entre o psiquismo e o corpo.

Na visão Lacaniana, encontramos uma clara diferenciação da pulsão de um mero instinto, que daria a essa “suposição de uma moral na natureza”. Isso corrobora com a construção conceitual freudiana do inconsciente, que é calcada no biológico, mas com enlace no psiquismo.

Nesse viés, vamos encontrar o conceito de pulsão ampliado, calcado nos objetos olhar (pulsão escópica) e voz, sendo fundamentais para pensarmos a constituição do sujeito psíquico. A voz, dentre os objetos pulsionais em Freud (como o oral [o seio], anal [as fezes] e o fálico [o falo]), em Lacan tem uma aproximação com o significante fala, com destaque à pulsão invocante.

A pulsão de saber, que tem início quando as crianças se perguntam, segundo Freud, “de onde vêm os bebês”, é o início de um filosofar a respeito da vida que vai se desdobrar em sabedorias. Isso não falta em nosso carnaval, longe de ser pseudo-intelectualmente visto como alienante, pois ele traz história, cultura e denúncias de questões sociais.

No carnaval, todas as pulsões estão em jogo: a de saber que passa pelo tema-enredo; a invocante, pelo samba, e a escópica pelas alegorias, fantasias e adereços.

No início dos anos 90, fui produtor e repórter do “TVE no carnaval” que tinha como um dos apresentadores, Dr. Antônio Carlos Côrtes. Na agradável maratona de trabalho, conheci os bastidores de nossas escolas e vi o quanto temos de artistas talentosos, compositores, ritmistas, criadores dos temas enredos e tudo que faz a festa. Não temos a riqueza do Rio de Janeiro na avenida, mas muita beleza e criatividade.

Nos debates recentes com Dr. Côrtes, advogado, carnavalesco e psicanalista, foi possível rever o quanto nosso carnaval já teve uma potência que atraía o Mercosul, no início dos anos 60, quando era na Avenida Borges de Medeiros:

“Na antiga passarela, havia espaço para as Tribos, que antecederam as escolas, dando uma característica de romantismo, diferenciada do carnaval carioca.”

Segundo Côrtes, a saída foi por exclusão do negro, que é o grande produtor do evento. E mais: O Porto Seco, longe de se tornar um

complexo cultural, serviu com esse propósito de desculpa para essa separabilidade. Agora, renovam-se as promessas de que o local seja mais investido durante o ano, coisa que não aconteceu.

No ano passado, a Avenida Borges teve uma retomada de ocupação com o som dos tambores ecoando na antiga passarela. O desejo se renovou em função dos 250 anos de Porto Alegre, com uma edição especial do desfile das escolas de samba da capital. E como diz Côrtes: “Seja onde for, a passarela do nosso carnaval sempre será denominada radialista Carlos Alberto Barcellos (Roxo)”.

A simbologia do carnaval pelo olhar da psicanálise tem me reunido com o amigo e colega psicanalista Antônio Carlos Côrtes. Palestramos animadamente com poesia e música no pré-carnaval da Praça Brigadeiro Sampaio.

E neste sábado de carnaval, estaremos aprofundando tudo isso no “Café com Análise” no Youtube. A leitura de apoio é da pesquisa psicanalítica inédita “A Alma do Carnaval no Espelho: Pesquisa Psicanalítica”, do Dr. Antônio Carlos Côrtes, que me deu a honra de participar da obra com o artigo sobre sua escola: “Bambas da Orgia no Divã da Avenida”.

Essa bela e grande orgia pulsional deve ser resguardada com segurança da pulsão de morte, não somente como festa da “carne”, mas da alma, da liberação do gozo, da sexualidade livre, saudável e da cultura.

O potente Carnaval da grande Porto Alegre demanda investimento, políticas públicas intersetoriais que passam pela Cultura, Turismo e Educação!

Bom carnaval a todos!

Em Tempo :Nega Lu, Ícone do movimento LGBTTQIOA+ de nossa Capital, que brilhava na Banda da Saldanha Marinho, cuja memória está resgatada no belo trabalho do jornalista Paulo César Teixeira, “Nega Lu- uma dama de barba malfeita”, será homenageada, em 2023, como enredo da Escola de Samba Realeza.

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Gaio Fontella
Gaio Fontellahttps://realnews.com.br/category/opiniao/blog-do-gaio/
Gaio Fontella (Psicólogo, psicanalista, graduado e pós-graduado pela UFRGS, comentarista e produtor do “Café com Análise”, no Youtube.

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