A Realidade Pós Carnaval e Férias

Depois da folia, é comum o comentário geral de que “voltamos à realidade”. Mas qual realidade? Do que fugimos durante o carnaval?

Em um sentido mais psicossocial, não vejo o carnaval como um alienamento há tempos, mas sim como uma pausa para o prazer, que incorpora cultura, posicionamentos políticos e história em nossos temas e sambas-enredo.

Também estamos vivenciando um momento importante de desconstrução do mito de que Bozo seria o impedimento ao comunismo e à “corrupção do PT” de retornar. Os crimes contra os direitos humanos e a democracia são evidentes. Não compreendo como alguns juristas podem duvidar que o golpe armado para o dia oito de janeiro de 2023 fosse apenas imaginário, quando desde as eleições havia patriotas mobilizados e Bozo, com seus ministros e apoiadores, claramente articulados para não aceitar a eleição legítima de Lula. Eles se expuseram em vídeos e atuaram com parceiros em Brasília, comprovadamente! Esta é a realidade que verdadeiros patriotas e democratas devem buscar: não basta a inelegibilidade. Bolsonaro e seus cúmplices devem ser presos. E aqueles que negarem isso, no mínimo, estão em um estado de delírio e desrealização.

No campo filosófico, a realidade pode ser amplamente debatida: será que nossos sentidos sobre ela não nos enganam? O pré-socrático Parmênides (515-445 AC) pensava assim.

No viés da psicopatologia psicanalítica, em casos de surto ou psicose propriamente dita, sim, existem alucinações sensoriais! No entanto, como neuróticos, temos uma dose considerável de imaginário, de autoengano, em muitas situações para lidar com traumas, com o próprio processo de castração sustentada pela lei de interdição ao incesto, medos, entre outras demandas a serem elaboradas em cada história pessoal.

Freud postulou a importância do princípio de realidade para guiar nossos desejos e prazeres, tendo cautela com o tempo para um prazer mais seguro. Lacan dizia que o “Real” é o que insiste em se inscrever: o que não damos conta simbolicamente. Mas o corpo, segundo o mestre psicanalista, “não é totalmente real”. Sim, porque ele carrega marcas do toque e do transitivismo materno que nos fazem dizer: “Que amor essa bochechinha, esse pezinho.”

Talvez o que queiramos dizer com o fim do carnaval é que retornamos à realidade cotidiana, ao trabalho. Também recomendo a volta ou o início de uma psicoterapia, pois muitas vezes o prazer nas férias pode ter componentes prejudiciais. Retomar o ano apostando na palavra, na elaboração simbólica, é um momento de apropriação da realidade interna do sujeito desejante.

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Gaio Fontella
Gaio Fontellahttps://realnews.com.br/category/opiniao/blog-do-gaio/
Gaio Fontella (Psicólogo, psicanalista, graduado e pós-graduado pela UFRGS, comentarista e produtor do “Café com Análise”, no Youtube.

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