A LGB Alliance, surgida em 2019 no Reino Unido, amplia-se com a LGB International, em um manifesto que radicaliza a separação de gays, lésbicas e bissexuais em relação a travestis, pessoas transsexuais e não binárias. A entidade sustenta que lésbicas, gays e bissexuais—com pautas focadas em orientação sexual—são prejudicados quando se incorpora a identidade de gênero e, tampouco, aceita as cirurgias de transição. É preciso contextualizar historicamente essa posição, que vai na contramão da força que o movimento conquistou no enfrentamento a perseguições e preconceitos contra nossa comunidade.
Desde a eclosão do “movimento gay” nos anos 1960, em Stonewall (EUA), a diversidade sexual foi se ampliando e se fortalecendo, com a participação decisiva das lésbicas, o apoio dos simpatizantes (GLS) e, na contemporaneidade, a adoção da sigla LGBTQIAPN+. Embora cada “letra” traga especificidades, a unificação contempla questões objetivas e subjetivas. Negar essas dimensões é o que o movimento LGB propõe. Quais seriam os benefícios e os interesses em jogo?
Do ponto de vista objetivo, atinente aos direitos humanos, é inegável a importância da coesão nas lutas—benéfica à sociedade civil como um todo. Temos o exemplo de Erika Hilton, que não se restringe às questões de gênero e orientação sexual ao defender, por exemplo, a redução da jornada semanal de seis por um para cinco por um. Em Porto Alegre, a travesti e vereadora do PT, Natasha, vem lutando contra as privatizações do DEMAE e do Centro Cultural Usina do Gasômetro. Ela acaba de ter um projeto de lei aprovado que estabelece 1% de cotas trans nas vagas de concursos públicos, colocando Porto Alegre na vanguarda histórica dessa política pública no país.
Quanto à subjetividade: como psicanalista, Freud nunca desprezou a importância das diferenças anatômicas na sexualidade. Ainda assim, o viés psicanalítico nos ajuda nessas questões: nos processos de identificação, há arranjos variados que combinam gênero e orientação sexual. Masculino e feminino não são imperativos reducionistas da biologia.
Importa considerar também que o movimento LGBT+ não esquece as feminilidades lésbicas, travestis e trans em suas conferências. No espaço partidário, recentemente, o núcleo de mulheres do PSOL incluiu Erika Hilton, deputada federal. (Que a representatividade de pessoas trans, travestis e lésbicas possa ser contemplada pela nova Secretaria da Mulher do RS.)
E mais: nos fortalecemos por meio das interseccionalidades com o movimento negro, com os povos originários, com pessoas com deficiência e com pessoas idosas. O feminicídio e o transfeminicídio exigem alinhamentos de luta, com recorte de classe.
Essa divisão proposta pela LGB é um retrocesso para o movimento da diversidade sexual e faz coro com as perseguições da extrema direita — bolsonarista e trumpista — às travestis e pessoas transsexuais. A separação ignora que o inimigo comum é a heteronormatividade e a homotransfobia. Fica o recado pontual da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA): “Todo LGB transfóbico é um traidor”.
Em tempo — Agenda:
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O tema será pauta do podcast “Conexão Diversidade”, na minha entrevista com o jornalista e ativista Gil Cunha (card abaixo).
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Serei painelista na abertura do Festival Pink Economy Experience, produção da Agência Inhaí (@inhai360). Vou abordar o ativismo em prol da diversidade gaúcha, ainda abalada pela catástrofe político-ambiental de 2024. Sexta, 10 de outubro, às 10h30, na Nau Live Space (Rua Presidente Roosevelt, 1308). Entrada livre.