Não sou propriamente um aficionado do “Big Brother Brasil”, capaz de falar detalhadamente sobre cada participante, mas como psicólogo e psicanalista, sou tocado a refletir sobre o comportamento humano em uma dinâmica grupal com exposição midiática sem precedentes.
Pelo viés da psicologia de grupo, na teoria de Pichon Rivièr, vejo o BBB se assemelhar a um grupo operativo: tem a tarefa de chegar à final e ganhar cerca de 3 milhões. Para isso, pequenos grupos formam-se e apoiam-se como estratégia para que apenas um participante vença. Na perspectiva teórica de Rivièr, as emergências psicológicas surgem catarticamente e demandam apoio profissional.
Embora no BBB 21 o humorista Nego Di tenha declarado que Boninho era o psicólogo, temos a ideia de que existe profissionalmente esse apoio. Entretanto, é muito importante que uma avaliação psicológica, além de poder incluir testes, tenha muita escuta e validez clínica. O caso da digital influencer Vanessa Lopes, em surto psicótico por estar confinada e sem uma grande rede de apoio, nos faz refletir sobre como a seleção é feita.
Os critérios observáveis têm sido carisma, beleza, pobreza e demandas de sucesso e reconhecimento. O etarismo cresceu, pois apenas jovens adultos são selecionados. As provas de resistência são sadomasoquistas. Em um debate no Facebook, pessoas defenderam que existe anuência contratual e que vão ganhar uma boa quantia, o que exige esforço, algo que não se compara com o sofrimento dos trabalhadores em geral. Contestei, pontuando que o sadomasoquismo se aplica a todos os envolvidos: competidores, produção e patrocinadores. A exploração dos trabalhadores e seus sofrimentos, inegáveis, não podem ser relativizados em 17 horas insalubres, com choque térmico, fome e fumaça (e já teve piores!). Atletas competem com suporte de nutrientes!
Orson Welles, que inspirou o reality show com seu “1984”, não imaginaria que um dia as pessoas escolheriam um “Grande Irmão” no lugar de uma nação de telespectadores. A questão pulsional desse olhar vai tomar singularmente cada competidor, numa pressão à imagem que pode ser a mais tosca, não tirando necessariamente a popularidade. Suponho que os anos de estupidez bolsonaristas libertaram e chancelaram essas condutas, sem censuras, num espelho que incomoda, mas não tira a maior audiência.
A psicanálise pode contribuir; o lugar deste grande Outro social que nos observa, que espera performances, superação, é angustiante na ordem do desejo de poder e reconhecimento. Freud dizia que de dinheiro e sexo não podemos ter tabu em falar em análise. Estes são nucleares no BBB (ainda que nesta edição não tenham muitos casais consolidados. A libido se converteria em mais agressão?). Mandar tomar lá mesmo tem se repetido como algo ofensivo. O que isso tem a dizer? Sexo anal é necessariamente ruim, não prazeroso?
Ainda que as mulheres joguem com agressividade, é inegável o quanto são ofendidas e objetificadas pelo corpo, chamadas de “inúteis”, “plantas”, num despudor misógino e machista. No entanto, como contraponto, lembrando que Lacan dizia que o sadismo masculino é resposta ao masoquismo feminino, vamos entender que isso não é justificativa para a histórica violência sofrida pelas mulheres.
Porém, isso nos traz uma pontuação pertinente no mês das mulheres; elas são educadoras, mães, professoras. E no BBB, fazem atuações com “dedo na cara”. “Sororidade” só com aliadas; jogam roupas do oponente homem na piscina; também ofendem e agridem moralmente!
Do ponto de vista psicanalítico, as injustificáveis agressões que passam pelo que reza a “Maria da Penha”, penaliza, precisam de um olhar não só judicializado, mas da interdisciplinaridade e intersetorialidade. E a repetição de escolhas de parceiros violentos, vinda como demanda de tratamento, recebo com empatia na clínica psicanalítica.
