Por conta do 8 de março, Dia Internacional das Mulheres, precisamos refletir sobre as violências que elas sofrem, prejudiciais à qualidade de vida de todos nós. Embora o gênero não determine o caráter, tampouco a saúde mental, na minha trajetória de vida, social e de trabalho, o feminino tem sido um modelo determinante de coisas boas.
Quando Lacan escandalizou numa reunião em Paris dizendo que “a mulher não existe”, não estava desqualificando o feminino, mas sim trazendo algo que deve ter aprendido nos cafés no Champs-Élysées, com Sartre e Simone de Beauvoir, na máxima desse ícone feminista: “A mulher não nasce mulher, mas torna-se mulher”, como construção social.
Meu apreço pelo feminino é enorme, sem desqualificar os homens que são queridos para mim: as forças das minhas mães, das mulheres que amei, das amigas, das mestras e da minha analista foram poderosas na minha educação, trabalho e espiritualidade.
As mulheres, segundo Foucault, na erótica grega, foram adquirindo poder pela gestão do lar. Que maior escola de administração, educação e economia do que essa? A inteligência feminina tem um mapeamento neural amplo, filogeneticamente transmitido pela cultura. O patriarcado tentou conter esse poder apenas pela força física.
E tudo o que se associa ao feminino é oprimido, agredido, como os gays mais afeminados e as mulheres trans (nosso país é campeão em assassinato de travestis e transexuais). O feminicídio continua muito alto em todo o país! (no Rio Grande do Sul, apesar de uma certa estabilização, 87 foram vítimas em 2023).
A terra, feminina, é o útero da vida natural. As mulheres, que são geradoras de todos nós, avançam, mas ainda têm que lutar por valorização.
Tenho uma curiosidade de pesquisa: qual o motivo que homens, supostamente heterossexuais, agridem e matam suas mulheres? Sim, mesmo tendo consciência de que a Lei Maria da Penha ficou mais rigorosa, com o Ministério Público representando incondicionalmente os abusos, que vão desde o psicológico, moral, material até a agressão física.
Embora seja um homem feminista, como psicanalista, estou aberto aos homens que sistematicamente agrediram suas mulheres, mas que desejam romper com essas repetições, com uma pergunta básica, singular, na história de cada um: “Por que faço isso, se gosto de mulheres?”. Por que amar, agredir e matar estão tão interligados neste suposto objeto feminino do desejo masculino?
No entanto, a necessidade de entender e enfrentar tudo isso deve passar por uma psicoeducação na escola, no trabalho e nas famílias.
A psicanálise deve muito às mulheres: foi com uma delas que Freud aprendeu a ouvir e a apostar na cura pela palavra. Sem sentido pejorativo, Lacan aponta o “Discurso da Histérica” como o que permite a análise. Sim, as mulheres já não precisam somatizar no corpo como na época freudiana, mas também não devem adoecer com seu lugar de fala, seja na sociedade, no lar ou ao trazerem suas queixas ao analista.
Imagem: Obra “Mulheres cadáveres “, da artista feminista, Graça Craidy”, denúncia de violência e feminicídio.