Repetir faz parte da caminhada. Pensar na repetição que nos faz mal é para quem tem coragem de buscar então, como diria Lacan, “fazer o novo”. Sempre que um novo ano se avizinha, o real cronológico nos coloca também na demanda de simbolizarmos o balanço do ano em todos os departamentos de nossas vidas.
Freud, no texto clássico “Além do princípio do prazer”, se perguntava: “Por que repetimos o que nos faz sofrer?” Diante da compulsão à repetição, o mestre vienense trouxe uma resposta, dizendo que “existe um prazer não reconhecido como tal”. E na visão lacaniana, temos o “gozo-sofrimento”.
O desejo é de outra ordem, pois não é gozar sem limites, mas uma mistura de Sade e Kant, incluindo paixão, emoção, razão e lei. E o desejo é aquilo que é nuclear na ética em Lacan, que dizia: “não podemos nos arrepender de ceder a ele.”
Acredito que, estendendo essa dialética ao coletivo, lutar por um país justo, que retome os projetos sociais, que preserve a natureza e o emprego, investindo em saúde e educação, não será motivo de arrependimento para quem tem firme propósito de viver num Brasil democrático e próspero que está se edificando.
Na singularidade, somos sujeitos divididos no desejo que tem a influência das identificações parentais. O Outro, maternal, sobretudo, mostra um tesouro de significantes para que possamos escolher. Se houver imposições, o alienamento traz riscos à estruturação mais saudável.
Um sujeito dividido entre o gozo homossexual e o amor à família aparece no filme “Maestro”, na Netflix, grande candidato ao Oscar. O grande ator Bradley Cooper, além de produzir a obra com Martin Scorsese e Spielberg, protagoniza o icônico Leonard Bernstein; a excepcional atriz Carey Mulligan interpreta a esposa Felícia.
A história, mais focada na intimidade e na bissexualidade de Bernstein, sem dar spoiler, ilustra bem o gozo-sofrimento, demandando contenção pelo amor e abrindo espaço para o desejo, conforme Lacan.
No processo analítico, confrontamo-nos com tudo isso, buscando conter o gozo mortífero que nos adoece e prejudica escolhas e afetos.
Se o Réveillon for um rito de passagem que facilite essas reflexões, então ele pode ser muito potente. Fica o convite, totalmente suspeito: invistam em sua análise pessoal, pois estarão conquistando um patrimônio para o resto de suas vidas, adquirindo uma narrativa verdadeira que ressignifica dores, traumas e nos dá coragem para enfrentarmos o prazer saudável de buscar o desejo e fazer sempre escolhas viáveis, com princípio de realidade, diante do insatisfeito.
Feliz 2024, com toda a potência que o amor pode dar aos desejos!