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Comunicação e Subjetividade

A fala e a escrita são conquistas que foram imprescindíveis para o processo civilizatório. Seguem como ferramentas importantes nas relações individuais e sociais, requerendo cuidado para que a paz, a democracia e a saúde mental não se percam.

No contexto do capitalismo neoliberal, como diria Zygmunt Bauman, tudo é líquido e rápido, como sintoma social. Isso se aplica à comunicação. Venho em uma pesquisa clínica e nas relações, nas redes sociais, vendo o quanto é crescente a má interpretação, gerando conflitos que se exacerbaram pós-pandemia, em um déficit de atenção.

Por exemplo: é muito comum em um evento que tem todas as informações, muitos convidados perguntarem o óbvio que está na divulgação, como local, data e hora. Talvez um analisador seja o narcisismo de querer uma atenção especial. Isso acaba com a própria função de um convite virtual para agilizar.

E o raciocínio raso, indutivista, teve campo fértil nos recentes anos de chumbo, com premissas e fake News que visavam à permanência genocida no poder. Estamos em outro tempo, mas vemos, no geral, este “contágio emocional”, com base em Goleman, autor de “Inteligência emocional”.

O que está por trás do discurso negacionista em relação aos avanços vertiginosos que estamos tendo na redução do desemprego, no desmatamento, nos investimentos no Bolsa Família, entre outros? Evidentemente que é ideologia conservadora! Assim como é falacioso o argumento dos deputados federais que votaram contra o feriado no “Dia da Consciência Negra”. O argumento de que o impacto na economia seria ruim desconsidera o quanto os pilares maiores da economia, setores de animação turística, podem ter benefícios.

Por outro lado, um líder no poder deve estar atento ao que é precipitado no que diz, impertinente no momento e que pode repercutir mal na economia, nos projetos de reformas e na diplomacia, por exemplo.

As ambiguidades, os implícitos, precisam de permanente análise de discurso. Quando lemos um texto louvável por defender judeus e o cãozinho judaico do horror que foi o sete de outubro, por conta do Hamas, sem dúvida que a empatia nos toca no que é antissemita.

Porém, no mesmo texto, o zero de empatia aos Palestinos beira à crueldade, num sionismo que hoje tem sentido pejorativo pelo massacre histórico à nação Palestina e omite que Israel sabia há um ano do que estava para ocorrer.

Agora, diante desta realidade em que tudo tem que ser veloz, com a má interpretação inclusa, o que fazer? Segundo o psicanalista Lacan, o Real (que inclui a realidade) convoca nossos sintomas. Por isso, em sessão com uma analisanda, pontuei que as desinteligências crescentes de muitos de seus clientes também mexiam com seu perfeccionismo, impaciência e uma sobrecarga de resolutividade muito solitária com todos os “devo fazer da vida”.

Enquanto analistas, estamos treinados para não perder as “filigranas” dos significantes que se repetem no discurso do analisando. Temos presente, na busca do discurso verdadeiro, as formações do inconsciente: Lapsos, atos falhos, denegações, chistes. Por isso, não é um impedimento que enganos, até mentiras, estejam na narrativa, pois o inconsciente vai se trair, sobremaneira no campo do desejo e divisões.

Psicanalistas lacanianos não se precipitam em sair interpretando, fazendo análise selvagem, como diria Freud. A atenção flutuante permite isso. Desde que tenhamos nossa análise pessoal, para que na transferência (vínculo), o que é nosso não seja um viés na escuta.

A fenomenologia, associada à prática meditativa, me auxiliou a esvaziar a mente dos aprioris, para melhor escutar, pontuar, interpretar e produzir atos analíticos que favoreçam a mudança repetitiva que traz sofrimento psíquico e aliena de si o sujeito desejante.

No campo social, a psicanálise em extensão pode dar uma boa contribuição ao aprimoramento das narrativas discursivas das chefias no trabalho, na fala dos professores, dos políticos, etc. Quem se analisa fica com uma relação aprimorada com a linguagem.

A prosódia tem poder significante que se desloca: um “querido(a) ou queridinho(a), nas relações de casal e familiares, dizem de afeto ou ironias implícitas.

Na comunicação verbal e corporal, o pulsional, o projetivo estão em jogo. E quando o sofrimento psíquico se instala, bom lembrar que o desejo insatisfeito está na angústia. Pontualmente, no seminário de Lacan com este nome, ele acrescenta: “Sabemos o quanto é fácil que as coisas de fora tomem a cor de nossa alma, e até a forma, e mesmo avancem em nossa direção sob a forma de um duplo”.

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Gaio Fontella
Gaio Fontellahttps://realnews.com.br/category/opiniao/blog-do-gaio/
Gaio Fontella (Psicólogo, psicanalista, graduado e pós-graduado pela UFRGS, comentarista e produtor do “Café com Análise”, no Youtube.
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