Freud deixou claro que a clínica psicanalítica não seria dissociada das questões sociais que produzem subjetividade no enlace com as identificações parentais, tendo como ponto de partida o que é da emoção.
Lacan também destaca o lugar do Outro social que está presente no discurso dos pais e na oferta de um “tesouro de significantes” ao sujeito que, ao fazer sua escolha, se estrutura. Assim, a psicanálise, em sua extensão, nos ajuda a estabelecer conexões entre as guerras externas no âmbito macropolítico e aquelas travadas diretamente nas relações humanas.
Na visão freudiana, o mal-estar na cultura está relacionado ao contínuo conflito entre as pulsões de vida e de morte. Para que a civilização seja viável, é necessária uma constante regulação desses confrontos, contendo os excessos agressivos e sexuais.
Freud, em suas conversas com Einstein, embora não acreditasse que a dualidade pulsional desaparecesse, apostava em uma “Ditadura da razão” como meio de encerrar as guerras, algo que a “Liga das Nações” não conseguiu realizar.
Analisando a obra “Guerra e Paz”, de Tolstói, que se passa durante a Campanha de Napoleão de 1805 a 1820, encontramos um romance que aborda o sofrimento dos soldados e dos povos, revelando o jogo hipócrita de interesses dos poderosos. Além disso, sem fazer apologia a nenhuma religião, a obra fala sobre a religiosidade que, ao amar a Deus, deve incluir até mesmo o inimigo. Isso nos oferece um protótipo das questões objetivas e subjetivas presentes em todas as guerras, como o conflito contínuo entre judeus e palestinos.
Em 1930, embora tenha reafirmado sua identidade judaica, elogiando o progresso dos kibutzim e a Universidade de Jerusalém, Freud condenou qualquer fanatismo religioso entre seus compatriotas que fosse opressor, o que “despertou a desconfiança dos árabes”. Ele não concordou com o sionismo, considerando que não seria prudente estabelecer um estado judeu em uma terra tão marcada historicamente por conflitos.
Freud foi um visionário; a demanda de Israel esbarra na legítima reivindicação dos palestinos. No entanto, que lições podemos tirar ao observar as necessidades de ambos os lados para que a paz se torne realidade?
Como psicanalista, ao analisar discursos, tenho o cuidado de não apoiar narrativas que perpetuem o ódio sionista quando o “direito de defesa” se traduz em repetidos atos de extermínio da população palestina, incluindo suas crianças.
Da mesma forma, quando o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, afirma que “Os atos do Hamas não aconteceram por acaso,” isso pode ser interpretado como uma validação do antissemitismo.
Evidentemente, a solução freudiana para o fim das guerras, com uma “Ditadura da Razão,” exige que a democracia e os direitos humanos não sejam sacrificados, e que, no conflito entre judeus e palestinos, seja possível encontrar um acordo que permita a coexistência pacífica para ambos os lados.
Da mesma forma, na singularidade da clínica psicanalítica, um lacaniano não impõe uma interpretação precipitada, ao contrário da psicologia do Ego, que ataca os sintomas com interpretações apressadas. O tempo lógico e a transferência consolidada permitirão que, em um ato analítico, sem um pacto perverso, tendo a razão da lei como guia, algo possa ser produzido, aliviando o gozo com a crueldade. Isso possibilita a ressignificação das mágoas, ódios e violências, abrindo espaço para o amor, a paz e o desejo.