O etarismo à brasileira

Está na ordem do dia a discussão sobre o etarismo, um preconceito paradoxal destinado a minorias em um país que não é majoritariamente jovem.

As reflexões aqui apresentadas partem do ocorrido com Patrícia Linares em beiBauru, SP, que, por ter 45 anos, foi aconselhada por seus colegas em vídeo a se aposentar em vez de estar na faculdade.

Pela primeira vez, vou me expor sobre algo bem pessoal, atinente ao ocorrido com Patrícia. Entrei na faculdade de psicologia da UFRGS também com 45 anos. Meu desejo vocacional era muito claro, potente e beirava à obsessão pelo saber que o ensino de qualidade da instituição me proporcionaria. Nunca perdi aula, lia tudo e um pouco mais e tirava, via de regra, notas altas.

Eu era o mais velho da turma. Acho que essa é uma forte variável interveniente para explicar o motivo de eu ter sofrido bullying por uma quarta parte da turma. Ser gay, como orientação sexual, bissexual como gênero, assumido, era outra questão. E ambas não poderiam ser explicitamente alegadas para a discriminação que eu sofria, pois não seria “politicamente correto”, principalmente em um curso que tem como ética combater toda forma de opressão, discriminação e preconceitos.

No entanto, como eu já trabalhava há 15 anos com terapia holística, esse foi um dos motivos de uma perseguição, com campanha para eu ser excluído de um grupo, por ter feito ao final do trabalho uma fábula humorada, consentida pelo próprio professor da disciplina.

Em muitas festas e viagens, eu não era convidado. Meu sofrimento psíquico não foi pouco, mas com a força desejante, resiliente e análise pessoal, sobrevivi com a força Nietzschiana que “o que não nos mata, nos torna mais fortes”.

Criei um conceito dessa experiência: “O preconceito metonímico”, um deslocamento significante, por exemplo: eu não posso discriminar alguém por determinada questão, então invento outra mais palatável, em nome de uma “ética”.

Meu caso se assemelha ao da estudante de Bauru, com a diferença que, com ela, o etarismo foi explícito. O que está imaginariamente por trás disso? Essas pessoas acham que serão eternamente jovens? E o que sustenta cognitivamente e emocionalmente tal postura?

“Vivemos em um país que está envelhecendo. Segundo o IBGE, a faixa etária com mais de 30 anos passou a representar 56,1% da população, e a que fica entre 40 e 49 anos somou 14%. Os jovens que aconselharam a colega madura a se aposentar acham que não vão envelhecer? Sem considerarem que o cérebro adora desafios e que o estudo, a leitura e o raciocínio lógico promovem uma reserva cognitiva que vai minimizar os efeitos posteriores do envelhecimento mental.

Hoje, pessoas que têm condições de cuidados com a estética e com a saúde parecem bem mais jovens, como a Bruna Lombardi, mito de beleza, mas também poeta, atriz e escritora, com uma beleza espiritual que se soma à física. Hebe Camargo brilhou até o final. Gloria Maria foi longeva e conservada, mas não assumia a idade. Essa postura também merece respeito, pois pode ajudar a desconstruir um nexo entre tempos cronológicos e subjetivos.

As colegas que discriminaram por idade a Patrícia de Bauru foram porta-vozes de uma camada que não valoriza a potência da maturidade. Envelhecer, com todas as mazelas que todos irão passar, não significa um declínio do desejo de viver e produzir.

Um espelho do etarismo e de outros preconceitos é o BBB. Desde 2019, quando tivemos a psicanalista e técnica de enfermagem Tereza, com 52 anos, ninguém maduro ou idoso foi selecionado. Nossa bela Ieda Wobeto, de Canoas, foi quem bateu no BBB17 o recorde de participante mais idosa, com 70 anos na época. Ela, com charme, elegância e inteligência, chegou até a final.

A questão do envelhecimento passa por um olhar interdisciplinar, com suporte da política pública que dê o protagonismo merecido a uma população que envelhece no Brasil. Do ponto de vista psicanalítico, Freud postulou que o inconsciente “é o infantil”, considerando a importância estruturante da elaboração edípica, no campo do desejo que nunca envelhece.

Na clínica psicanalítica com pacientes maduros e idosos, observamos o quanto a decisão de se analisar é potente, trazendo à tona o que ficou guardado e demandando a realização de sonhos, e estes não se aposentam.

Em tempo, um complemento: segue o link de uma entrevista que dei à cara Isabel Ibias, no programa “Viva Bem”, da TVE: Hobbies na terceira idade.”

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Gaio Fontella
Gaio Fontellahttps://realnews.com.br/category/opiniao/blog-do-gaio/
Gaio Fontella (Psicólogo, psicanalista, graduado e pós-graduado pela UFRGS, comentarista e produtor do “Café com Análise”, no Youtube.

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