Por Camilo Bornia
Abre escola. Fecha escola. Abre escola. Fecha escola. Além do absurdo das escolas estarem fechadas há 13 meses no Rio Grande do Sul, ainda somos submetidos a uma instabilidade jurídica que dá requintes de crueldade à situação.
Indiscutivelmente, a situação sanitária piorou com a nova cepa do coronavírus. Com isso, o Governo do Estado colocou o RS sob bandeira preta. Dois dias depois, no dia 28/02, a justiça, a pedido do CPERS, proibiu todas as aulas presenciais enquanto estivéssemos sob bandeira preta. Poucos dias depois, o governador Eduardo Leite implementou uma salvaguarda ao seu modelo de distanciamento controlado, dificultando ainda mais a saída da bandeira preta e, portanto, a reabertura das escolas.
Sob pressão, o governador introduziu ao seu discurso a defesa da reabertura das escolas. No entanto, ao invés de revogar a salvaguarda que criou, emitiu um decreto permitindo a cogestão para a educação. Em tese, municípios que estão sob protocolos de bandeira vermelha poderiam retomar as aulas presenciais. Na prática, proporcionou um ambiente de incertezas, dando margem ainterpretações diversas.
O governador se esconde atrás da lambança que ele mesmo criou. Ora, se ele realmente quer a volta das aulas presenciais que revogue a salvaguarda e acabe com essa esquizofrenia de estarmos sob uma bandeira e operarmos sob outra. No esteio dessa lambança do governo estadual, a Prefeitura de Canoas decidiu manter as escolas fechadas sob o argumento que está atendendo a liminar de 28/02. Em resposta a um post que fiz no Instagram no dia 24/04, a comunicação da prefeitura afirmou que sua posição se deve a liminar. Porém, concluíram dizendo que o retorno às aulas deve ser dar após a vacinação de todos os profissionais da educação.
Esta última afirmação é reveladora. Há vários entendimentos acerca da liminar. Porto Alegre, por exemplo, entende que as escolas podem abrir. Canoas, não. Na prática, há uma escolha da interpretação mais conveniente que atenda o que a administração municipal deseja em relação ao tema. Sejamos claro: o prefeito Jairo Jorge não quer a volta às aulas.
Condicionar a reabertura das escolas à vacinação de todos os profissionais da educação é, na prática, defender que as escolas fiquem fechadas durante a maior parte deste ano letivo. Mesmo que os profissionais da educação passassem a estar entre os grupos prioritários, o ritmo de vacinação e a dimensão da categoria apontam um longo período para vaciná-los. Eu respondi exatamente isso no comentário da área de comunicação da prefeitura. Qual foi a resposta? Excluíram o comentário que fizeram.
O governador autorizou parques aquáticos, temáticos e de diversões, museus, restaurantes e áreas de lazer de condomínios. Enquanto isso, escolas não podem reabrir. Seria cômico se não fosse triste. Vários profissionais de saúde vêm alertando às possíveis consequências das escolas fechadas: crianças com problemas cognitivos, emocionais e psicossociais. Os casos de maus tratos e abusos a crianças dispararam. Escolas privadas, principalmente as de educação infantil, estão quebradas(ou quase). Profissionais da educação desempregados(privados, é claro). Prestadores de serviços associados às escolas estão à míngua: a confecção de uniforme escolar o motorista do transporte escolar, a professora de ballet, a escolinha de futebol, o proprietário da cantina…
Mesmo com as novas cepas, as evidências mostram que crianças são um péssimo vetor de transmissão. Os casos de crianças acometidas de covid-19 são ínfimos. Ao contrário de várias atividades profissionais que se relacionam com pessoas diferentes todos os dias, profissionais da educação lidam basicamente com o mesmo grupo de pessoas.
Quem quer a reabertura das escolas não nega que o momento exige cuidados. As escolas privadas se prepararam para o retorno. Enquanto isso, governador e prefeitos ficaram em berço esplêndido, sem pressa alguma para reabrir as escolas, em acordo tácito com os sindicatosde servidores públicos da educação, que também são contrários à reabertura. A Prefeitura Municipal, ao invés de concentrar seus esforços em garantir condições sanitárias e adoção de protocolos o retorno seguro, acena com concessão de empréstimos a juros zero aos empreendedores afetados pela inatividade imposta por ela(e pelo governo estadual). É a perpetuação do ciclo de dependência. Como de praxe, o governo quebra as pernas de quem apenas quer liberdade para trabalhar e depois oferece muletas com dinheiro alheio. Ainda faz propaganda, quer agradecimentos e lucra politicamente.
Adicionalmente, é preciso derrubar algumas falácias. O argumento central de quem defende escolas fechadas é a contenção da transmissão. Esquecem que para toda ação existe uma reação. “Creches” clandestinas têm surgido como resposta: alguém que cobra para ficar com os filhos de outras famílias. Não são poucas as professoras de educação infantil demitidas que têm prestado serviço domiciliar. Se as escolas estivessem abertas, esse profissional iria apenas na sua escola – um lugar controlado. Com a sua escola fechada, ela precisa ir a várias casas, frequentado por pessoas que sequer pisariam na escola, expondo-se ainda mais e, pior, sendo ela um vetor de transmissão. Logo, se a intenção é mitigar riscos, o tiro saiu pela culatra.
Escolas fechadas não garantem crianças resguardadas em casa, brincando comportadamente em seus quartos ou no quintal de casa. Para a maior parte das famílias, a escola é um lugar passível de maior controle que permiteconvivência segura aos seus filhos. É um lugar que pode ser um aliado importante na conscientização das criançasem relação aos protocolos. Quem tem filhos sabe que não é incomum relatos de pais que afirmam que seus filhos têm comportamento exemplar, seguem regras, cumprem horários e fazem procedimentos de higiene na escola, enquanto em casa, tudo é mais difícil.
A manutenção das escolas fechadas é a salvaguarda para governantes se eximirem das suas responsabilidades. Se proprietários de escolas privadas devem garantir um ambiente seguro à sua comunidade escolar, o prefeito e o governador devem garantir o mesmo nas escolas municipais e estaduais, respectivamente. Além disso, ao manterem escolas fechadas, governantes ganham politicamente atendendo os barulhentos sindicatos de servidores, que estão mais preocupados com as suas pautas corporativistas do que o bem da educação.
Sobre o autor: Engenheiro eletricista, mestre e doutor em Administração, empresário.
Facebook: https://facebook.com/camilobornia
Instagram: https://instagram.com/camilobornia