Entre redes de apoio, jornalismo e inteligência artificial: o ano em que resistir virou pauta

Este ano foi marcado por reencontros com memórias antigas, desafios inesperados e, sobretudo, pela força das redes de apoio. Algumas delas ressurgiram quando eu menos esperava e me ajudaram a fazer algo essencial: expressar o que sinto e transformar vivências pessoais em informação que também possa acolher outras pessoas.

De forma abrupta, uma dessas redes se encerrou. Ainda assim, diferente de outros momentos da minha trajetória, não abandonei o jornalismo nem caí no chamado “buraco negro”. Em vez disso, uma nova rede aquela que sempre esteve presente, voltou a se fortalecer. É nela que sigo me apoiando para escrever, refletir e ajudar quem enfrenta dores parecidas com as minhas.

Na primeira experiência recente, atuei como produtora. Avalio que desempenhei bem o papel: enfrentei medos, aprendi sobre respeito no ambiente profissional e amadureci nas relações com colegas. Houve falhas de comunicação, inclusive comigo mesma, e o encerramento desse ciclo foi vivido como um luto breve, de uma ou duas semanas.

O retorno ao jornalismo, porém, foi mais consciente. Continuei escrevendo para a rádio que sempre representou minha principal rede de apoio profissional, não pessoal. Sempre tive o hábito de guardar medos e tristezas. Com o tempo, percebi que falar também é uma forma de cuidado: comigo e com outras pessoas. Um exemplo disso é o relato sobre a espera por atendimento neurológico, tema que transformei em pauta ao perceber que não é uma vivência isolada.

Paralelamente, um interesse crescente ganhou espaço: a inteligência artificial. Quem acompanha meu Instagram percebe como esse tema me fascina e me inquieta. Essa reflexão ganhou novos contornos ao assistir, por acaso, ao filme “A Grande Inundação”, lançado na Netflix em 19 de dezembro de 2025.

À primeira vista, o longa parece seguir a fórmula clássica de produções internacionais sobre catástrofes, em que tudo tende a um desfecho previsível ainda que trágico. Em alguns momentos, a narrativa remete até às enchentes vividas no Rio Grande do Sul. No entanto, ao longo da história, o roteiro desloca o foco para uma discussão mais profunda.

Um dos personagens revela que precisa da mãe de um menino porque ela é a única capaz de “criar pessoas” por meio da inteligência artificial. A colega que dominava essa tecnologia morreu, e resta a promessa de um helicóptero que levaria ela e o filho. Em determinado ponto, fica claro que o menino teria de permanecer na Terra. A mãe se revolta: não aceita abandonar o filho. Em outra cena, surge a proposta de criar humanos sem sentimentos, ideia prontamente rejeitada por ela, que defende que sentir é parte essencial da existência.

A pergunta que sela o conflito é direta e incômoda: quando o resgate chegar, você acha que não haverá pessoas dispostas a derrubar outras para garantir um lugar? A resposta silenciosa é um acordo com a dura realidade.

O filme se constrói em ciclos, repetindo acontecimentos até o desfecho final, que surpreende justamente por dialogar com escolhas, perdas e recomeços. É impossível não traçar paralelos com a vida profissional, com os ciclos que se encerram e com a necessidade de seguir, mesmo quando o apoio muda de forma.

A reflexão final ultrapassa a ficção. Se, daqui a 30 anos, a humanidade caminhar para uma existência cada vez mais “robótica”, sem emoções, o impacto será profundo. Filmes, notícias, séries e até propagandas deixarão de carregar aquilo que hoje os torna humanos: sentimento, empatia e experiência vivida.

O jornalismo, assim como a arte e a tecnologia, só faz sentido quando preserva o que nos diferencia das máquinas.

Reflita sobre isso.

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